No dia 15.05.10 todos os discentes do setor II, ou do CCHLA, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, recebeu esse notificado da direção do centro. Após isso, fizemos o I Ciclo Cannabis e Preconceitos, onde fora debatido assuntos como os usos do corpo e a história do proibicionismo, com os professores Alípio e Maria Emília; exibimos o filme "notícias de uma guerra particular", com o professor Gilmar; debatemos política, ciência e maconha medicinal com o Sidarta Ribeiro, e sobre segurança pública e tráfico de drogas com o professor Edmilson Lopes. Recebemos algumas críticas conservadoras contra esse evento, alegando que a universidade não era espaço para se debater isto. Fizemos uma marcha em 30/07, e prosseguimos nos debates e na militância contra o proibicionismo e contra a guerra às droga. Daqui há uns bons anos sairá o livro "Coletivo Cannabis Ativa - A história de um e-mail".
"A Direção do CCHLA tem, nas últimas semanas, recebido várias reclamações referentes ao consumo de drogas ilํcitas nas dependências do Setor de Aulas II. Informamos a todos que a Segurança do Campus irá reforçar a vigilância do setor, no sentido de evitar que tal consumo aconteça. Providências administrativas-disciplinares serão tomadas - como já aconteceu no passado - e as responsabilidades apuradas, como determina o Regimento da UFRN, caso os usuários de drogas sejam identificados.
Entrevista realizada por Tahiane Macêdo e Ingrid de Andrade, estudantes de graduação do curso de Comunicação Social da UFRN, com o neurocientista Sidarta Ribeiro.
Sidarta Ribeiro explica como a droga ilegal mais consumida no mundo sai da posição de vilã para promessa da medicina e da neurociência
Sidarta Ribeiro é mais jovem do que se espera de alguém com um currículo acadêmico tão extenso. Com 40 anos é doutor em Neurociências pela Universidade Rockfeller (EUA,2000). Concluiu o Pós-doutorado pela Universidade Duke (EUA) em 2005, ano em que regressou ao Brasil como diretor de Pesquisas Científicas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IIN-ELS). É ainda professor colaborador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pesquisador do Instituo de Ensino e Pesquisas do Hospital Sírio Libanês, e Pesquisador-colaborador da Duke University. Escreveu em co-autoria com Renato Malcher-Lopes o livro “Maconha, cérebro e Saúde”, onde descreve as propriedades medicinais, desmistifica e esclarece mitos sobre os efeitos psicológicos e comportamentais da maconha.
No livro você diz que “a maconha representa uma das mais promissoras fronteiras no desenvolvimento da neurobiologia e da medicina”. Qual é a sua importância científica?
A maconha tem mais de 70 substâncias diferentes, com ação psicoativa. Essas substâncias são pouco conhecidas, mas tem efeitos terapêuticos. Quanto mais a conhecemos mais vemos que ela tem efeitos terapêuticos. Do ponto de vista da medicina ela pode ser fonte de muitos remédios diferentes, e uma fonte barata. Do ponto de vista da neurociência, ela é, certamente, fonte de problemas científicos. O que cada uma dessas 70 substâncias fazem no hipocampo, no córtex, no cerebelo, no tálamo? E não é por acaso. A maconha foi selecionada ao longo do tempo para ter propriedades medicinais. Foi usada pelos xamãs do passado porque não existiam antibióticos, antidepressivos, ou analgésicos. Existiam as plantas e essas plantas “sagradas” foram selecionadas para terem propriedades medicinais. A maconha é só mais um caso.
Que barreiras a ilegalidade da planta impõe às pesquisas científicas?
Muitas. É muito difícil fazer esse tipo de pesquisa. Tem empresas nos Estados Unidos que vendem análogos químicos de substâncias encontradas na maconha, mas no Brasil não é possível comprar essas substâncias. Algumas pessoas conseguem, mas com autorizações muito especiais, é uma coisa complicada. No livro eu cito alguns pesquisadores que tem uma tradição no Brasil, porém são poucos nomes.
O livro fala da descoberta de moléculas receptoras as quais o THC se liga, tanto no cérebro quanto nos principais sistemas periféricos do organismo, formando um sistema conhecido como endocanabinóide. Como funciona esse sistema?
Os receptores para os canabinóides estão no cérebro inteiro, principalmente em regiões de memória, regiões de equilíbrio de coordenação motora. São lipídios que são sintetizados na membrana e tem efeitos no neurônio pré-sináptico, que nós chamamos de efeito retrógrado.
Como a cannabis atua nesse sistema?
Ela atua nos receptores canabinóides ativando os receptores CB1. Onde houver receptor haverá efeito. A maconha tem 70 canabinóides, é um coquetel de compostos. Alguns ativam os receptores, outros não.
Que tipos de doenças podem ser tratadas com maconha?
Vários tipos de doenças diferentes, mas é uma pesquisa que ainda está em execução. O que está bastante claro é o caso do glaucoma que é o tratamento por diminuição da pressão intra-ocular, como ansiolítico, é evidentemente eficaz, e no caso dos sintomas do câncer.
Contrariando o argumento de que ela causa câncer, no livro você fala da ação antitumoral da planta. Como isso funciona?
Não existe nada comprovando cientificamente que maconha causa câncer. Tabagismo causa câncer. Talvez o seu principal problema seja o tabagismo. Mas ela não necessariamente precisa ser fumada. Se fosse legalizada, poderiam existir produtos disponíveis, que não agridem a saúde. Essa história do câncer começou nos anos 60. Havia toda uma tentativa de dizer que maconha era muito ruim, então essas pesquisas eram financiadas já com o resultado embutido. Existem algumas pesquisas desse período que dizem que ela causa câncer. Os dados citados no livro são do instituto nacional do câncer dos EUA. Após 13 semanas [de experiências com THC em ratos] eles não associaram nenhum efeito patológico ao THC. Inclusive os animais sobreviveram mais e houve uma redução dos tumores nesse estudo em particular. É claro, que tudo isso depende da dose.
Quanto seria uma dose moderada?
Não me arrisco a dizer. Não posso dizer o que é uma dose segura, até porque é uma droga ilegal e ainda está em discussão na sociedade se pode, ou não, ser usada. O que eu posso afirmar é que não é uma droga que causa overdose. Outras drogas podem causar overdose, legais e ilegais. Toda a discussão do público deve passar por informações sobre as doses que causam diferentes efeitos.
Como ela funciona no tratamento de doenças crônicas como o glaucoma?
Estas doenças podem ser tratadas de várias maneiras. No caso do glaucoma, a maconha claramente diminui a pressão intra-ocular, então favorece o tratamento da doença. Por ter 70 substâncias psicoativas e bioativas diferentes, acaba sendo um remédio para muitos males diferentes. É possível que daqui a algum tempo, com o avanço das pesquisas, algumas substâncias possam ser isoladas. Mas isso não é de interesse da indústria farmacêutica, porque ela vende muito caro os remédios que patenteia e uma planta não pode ser patenteada.
O uso da maconha pode vir a substituir analgésicos, em alguns tratamentos, como o do câncer?
Maconha não é exatamente um analgésico, mas ela diminui bastante a ansiedade e torna a dor mais suportável. Para pacientes com câncer, por exemplo, ela pode ser muito útil. E ela é usada, nos Estados Unidos, legalmente para medicina, principalmente nesses casos, pois ela aumenta o apetite e diminui a ansiedade. Isso faz com que o paciente suporte melhor o tratamento. Nesse caso você não está tratando a causa da doença, está tratando os efeitos causados pelo tratamento. É muito importante, porque uma pessoa que está submetida à quimioterapia passa muito mal. Vomita, não quer se alimentar, fica deprimida. A maconha melhora esse perfil, tornando a pessoa mais insensível à dor e mais capaz de contemplar a vida, apesar do que está acontecendo.
O consumo in natura pode substituir remédios para ansiedade?
Tudo indica que sim. Lembrando que, da forma inalada ela está associada ao tabagismo, então é provável que, se a maconha for legalizada para uso medicinal, outras formas de administração podem ser desenvolvidas.
No livro você fala da ação neuroprotetora da planta, contrariando uma antiga crença de que ela mata os neurônios. Como funciona essa ação neuroprotetora?
Existem algumas evidências de que ela pode funcionar de maneira a proteger contra a toxicidade causada, até mesmo, pelo próprio sistema. E se tem evidências de que pode favorecer a neurogênese, a formação de novos neurônios, no hipocampo em particular, que é uma região associada à memória. Existe um artigo em particular na literatura que diz que a maconha pode ter um efeito antidepressivo de longo prazo pela ativação de neurogênese no hipocampo. Essa é uma pesquisa recente e ainda precisa ser aprofundada, mas é bem diferente do que se falava tradicionalmente.
Quais são os grupos de risco em relação ao uso da maconha?
A gente fala no livro dos quatro grupos importantes: gestantes, jovens, pessoas com depressão crônica e pessoas psicóticas ou borderline, ou seja, pessoas que não tiveram o surto, mas podem ter. Isso é um pouco difícil de julgar. Como se pode saber que a pessoa vai ter se ela ainda não teve? Eu acredito que os dois lados do debate tem que ter equilíbrio. Pessoas que são totalmente contra, que acham que maconha é igual a crack e heroína, tem que se informar, porque não é. E pessoas que são totalmente a favor e acham que maconha é bom para tudo também. Uma coisa que é importante que as pessoas que são pró-maconha têm que entender é que ela não é uma droga que não causa riscos pra qualquer pessoa. Existem grupos de risco. Qualquer substância tem grupos de risco.
O seu uso exclusivamente recreativo pode trazer benefícios à qualidade de vida das pessoas?
Acredito que a maior parte das pessoas usa de modo recreativo, não medicinal. Se elas usam é porque acham que traz benefícios. Podem dizer “Mas isso também vale para o crack. Usa crack porque acha bom” e no caso do crack é uma grande armadilha. Porque a pessoa acha bom e está morrendo, destruindo o cérebro, destruindo o fígado, o pulmão, as vias respiratórias. Pode não conseguir sair daquela doença por causa do vício. No caso da maconha não é assim, ela não causa nada parecido com isso. Os malefícios principais são os do tabagismo, que são muito menos graves, embora eu ache que devam ser mencionados. Por outro lado ela causa sensações de bem estar. As pessoas dizem que gostam de usar aquilo pra aumentar a criatividade, sensibilidade etc. Eu sou da opinião de que não faz sentido liberar a maconha e proibir a cachaça. Eu acho que nós deveríamos ter uma atitude mais racional, mais formada pela ciência, que respeite mais as liberdades individuais e que proteja as pessoas com informação. Se uma pessoa souber de antemão que crack é quase um veneno de rato, é improvável que ela vá consumir. Temos que proteger o jovem das drogas e dar-lhes informação. Para que, quando ele for adulto, possa escolher, entre as drogas legais, aquelas que ele vai usar. E ai entra a discussão: por que é legal comprar um litro de cachaça e não legal comprar um grama de maconha? Mas isso é uma situação histórica que tem razões históricas e políticas, não científicas. Coisas que a sociedade tem que negociar.
Existe muita resistência da camada mais conservadora da sociedade de que ela possa trazer certos benefícios. Você acha que os argumentos pró-maconha podem vir a ser mais aceitos pela sociedade?
É uma tendência natural. Essa discussão está cada vez mais em pauta. Fernando Henrique Cardoso também está na linha de frente dessa discussão, e ele certamente não é um maconheiro cabeludo que quer defender a maconha só porque gosta. Ele quer dizer que a guerra contra as drogas não funciona. Não é um problema de polícia, é um problema de saúde pública. Não deveriam matar ninguém pra impedir essa pessoa de se drogar. Nós deveríamos dar informação a essas pessoas, para se protegerem das drogas que fazem mal e das doses que fazem mal. E para que possam usar as drogas que causam bem, como a gente usa o café, os remédios, os antibióticos...
UFRN instala comissão de prevenção e combate de drogas no Campus Universitário
O consumo de drogas é considerado hoje um problema grave que atinge todas as camadas sociais do país e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como forma de combater o aumento do consumo de drogas no âmbito universitário, instalou nesta quarta-feira, primeiro de setembro, a Comissão Interdisciplinar de Prevenção e Combate a Drogas Lícitas e Ilícitas no Campus Universitário.
Para compor a Comissão foram convocados membros representantes do Departamento de Serviço Social, Diretório Central dos Estudantes (DCE), Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Departamento de Comunicação Social (DECOM), Departamento de Assistência ao Servidor (DAS), e a Divisão de Segurança Patrimonial. O grupo será presidido pelo professor do curso de Serviço Social, João Dantas Pereira.
A reunião de instalação da Comissão foi aberta pela vice-reitora, que destacou a importância da iniciativa. “A UFRN é uma Instituição atuante em várias áreas do conhecimento, logo precisa desenvolver ações específicas para combater esse problema que se alastra em nossa Universidade. A Comissão visa a oferecer prevenção e cuidado para as pessoas usuárias de drogas”, afirma. Segundo ela, a criação da comissão está prevista na Resolução Nº 053/2009, do Conselho de Administração (CONSAD), que regulamenta procedimentos administrativos de prevenção e combate a drogas lícitas e ilícitas no âmbito da UFRN.
Ângela Paiva lembrou que as primeiras reuniões para discutir a prevenção e combate ao uso de drogas na Universidade datam de 2007, quando o reitor Ivonildo Rêgo se reuniu com diretores de centros acadêmicos, que solicitaram providências urgentes. “A Universidade passava por um momento bastante grave”, destacou a vice-reitora, que disse ser esta uma questão prioritária da Instituição.
COMISSÃO
Sob a presidência do professor João Dantas, do Departamento de Serviço Social, a comissão é composta pela assistente social Adelaide Maria Morais Avelino, e pelo servidor Sérgio George de Oliveira, do Departamento de Assistência ao Servidor (DAS); professor Aryovaldo de Castro Azevedo Júnior, do Departamento de Comunicação Social; enfermeira Juçara Machado Sucar e psicóloga Letiene Pessoa de Medeiros, do Hospital Universitário Onofre Lopes; o aluno Thomas Kefas de Souza Dantas, do Diretório Central dos Estudantes; e os servidores Rubens Matias de Sousa e Moisés Alves e Souza, da Divisão de segurança da UFRN.
O professor João Dantas também ressaltou que o grupo pretende desenvolver ações eficazes em três vertentes: prevenção, tratamento e repreensão. “Precisamos do engajamento da Universidade como um todo, pois se trata de um problema social que atinge não só alunos como também servidores”, diz.
Os procedimentos adotados para atuação da nova Comissão, segundo a resolução do CONSAD, vão contemplar ações sistemáticas de prevenção, como campanhas publicitárias permanentes, cujo roteiro foi apresentado durante a reunião, realização de eventos na Semana Nacional Antidrogas, palestras, seminários, debates, institucionalização de parcerias com a Secretaria Estadual de Defesa Civil, Conselho Estadual de Entorpecentes (CONEN) e outras entidades afins. Além dessas, haverá ações de tratamento, por meio do apoio psicossocial e clínico aos usuários, e de repreensão através do combate à aquisição, guarda, depósito, transporte ou porte de substâncias entorpecentes nas instalações da UFRN.
O que é interessante nisso é que sabemos que a maconha será a primeira a entrar na lista das drogas. E o pior de tudo isso é que nesta reunião sobre "prevenção" das drogas não foram chamados nenhum dos integrantes do Coletivo , que são estudantes da UFRN e que todos têm conhecimento disso, para que seja possível um debate no mínimo "democrático".
Foram realizados discussões dentro da universidade para colocar no foco do debate essa postura assumida pela UFRN. Sabemos que essa "publicidade" foi "encomendada" aos estudantes de publicidade desta instituição como trabalho avaliativo obrigatório, ou seja, não fora respeitado nem a posição dos alunos que eram contra esse tipo de postura pois, graças a um ensino meritocrático vigente no Brasil, estes alunos não seriam aprovados na disciplina caso se negassem a realizá-lo.
O que estamos colocando aqui não é o fato de sermos contra a política de conscientização sobre as drogas, muito pelo contrário. O problema é que estes que desempenham esse papel sequer têm conhecimento acerca da política de redução de danos à saúde pelo uso indevido de drogas e acaba por abordar o tema de forma irresponsável, e que finda por apresentar resultados inexpressivos no combate dos malefícios provocado pelo uso contínuo e descontrolado de entorpecentes. Não se coloca em momento algum nestes trabalhos de alerta o uso medicinal e recreativo da cannabis, excluindo a postura do diretor de pesquisas científicas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IIN-ELS), Sidarta Ribeiro, que escreveu o livro "Maconha, Cérebro e Saúde" em parceria com Renato Malcher-Lopes, alertando para as pesquisas que são desenvolvidas nessa área comprovando a inexistência de males ocasionados pelo uso da maconha.
Porém, sabe-se que o intuito desta campanha não é apenas para alertar sobre as conseqüências negativas das drogas como o cigarro, o álcool, o crack, a cocaína, etc. Além de terem como alvo acabar com o consumo de maconha nos setores de aula, essa justificativa é utilizada para legitimar a repressão dentro da universidade aos usuários, tornando o espaço da construção do saber e do desenvolvimento acadêmico em um ambiente castrador onde impera uma moral hipócrita, conservadora e anacrônica.