quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ato pela Legalização da Maconha - Natal RN

Dia 14.01, às 16h, na Praça Vermelha ( ou Praça André de Albuquerque, Centro da Cidade), iremos realizar conjuntamente um ato pela legalização da maconha e pela revisão da política de drogas no país. Qualquer dúvida, deixem comentários e/ou enviem para coletivocannabisativa@hotmail.com.

Para discutir como será realizado o ato, e dentre outras atividades do coletivo,  próxima reunião irá ocorrer dia 28.12, às 09:30h, no setor II da UFRN.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O sucesso do presidio sem policia

José Cleves
Em mais de 30 anos de jornalismo a céu aberto, nunca poderia imaginar uma cadeia sem polícia, como sonhava o advogado paulista Mário Ottobai. Em compensação, nunca duvidei de que a culpa de 80% dos presos soltos voltarem para o crime é do nosso caótico sistema prisional que, ao invés de recuperá-los, piora a sua conduta. Ou seja, os presídios brasileiros foram transformados em escolas de bandidos.
O sonho de Ottobai foi concretizado com a criação das Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs). Trata-se de um modelo de prisão que consiste na recuperação do preso através de um sistema de autogestão. Não há polícia, guardas penitenciários, circuito interno de televisão, armas, algemas e carcereiros. Os próprios recuperandos (é assim os presos da Apac são chamados) é que tomam conta da instituição. Eles cuidam das chaves e presidem o Conselho de Sinceridade e da Solidariedade. O conselho é responsável pela parte criminológica e disciplinar do sistema, deixando pouca coisa a ser resolvida pela administração e a Justiça.
Parece mentira, mas este revolucionário sistema prisional funciona maravilhosamente e é o caminho para a diminuição da criminalidade no país. Visitei, dias atrás, uma unidade da Apac em Nova Lima, cidade distante 22 km de Belo Horizonte. Fiquei maravilhado com o que vi. Fui levado ao local pelo juiz Juarez Morais de Azevedo para a diplomação de 40 dos 72 presos que concluíram cursos profissionalizantes no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Aliás, conheço o juiz há alguns anos e ele sempre me falou das maravilhas da Apac. À véspera da visita, talvez para convencer-me de suas convicções, Morais sugeriu que eu ficasse preso na instituição por alguns dias para testemunhar o que ele estava dizendo. Aceitei o desafio, mas não foi preciso a experiência.
Tornozeleiras eletrônicas
Bastou pouco mais de uma hora misturado entre os presos para perceber, com clareza, as verdades ditas pelo juiz. A solenidade de formatura foi no interior do prédio, que fica à margem da MG 030, na propriedade do antigo distrito de Honório Bicalho. Fui recepcionado pelos presos, que abriram as portas da instituição, grade por grade, até o meu acesso ao local da formatura, que ocorreu com a presença de todos eles.
Lá estavam, além do juiz Juarez Morais, o desembargador Joaquim Alves de Andrade, a promotora de justiça de Nova Lima, Elva Cantero, a ex-presidente da entidade, Neusa Barbosa, e o atual presidente, Leno Dias, que acabava de ser eleito para o cargo.
O que testemunhei é inédito para este velho repórter. Nada ali, além das grades, lembrava um presídio. Parecia um desses colégios internos do pós-guerra, com uma diferença: a disciplina rígida era feita pelos próprios internos, olho no olho, sem qualquer dificuldade. Visitei biblioteca, oficinas de trabalho, cozinha, padaria e celas. Chequei toda a parte física da instituição e fiquei impressionado com as estatísticas. O percentual de presos que retornam ao crime é de 6,6%, contra uma média nacional acima de 80%. O percentual de fuga não chega a 5% – mesmo assim elas ocorrem pela abstinência de drogas, já que a maioria dos internos vem desse flagelo. Não há briga de presos, não há cara feia, não há revolta.
Os 40 presos diplomados naquele dia estudaram no prédio do Senai que fica no centro de Nova Lima, para onde foram de ônibus comuns, sem escolta. Constatei que o juiz Juarez Morais, fundador da Apac de Nova Lima juntamente com o desembargador Joaquim Alves, que coordenou o Projeto Novos Rumos, da Execução Criminal do Tribunal de Justiça de MG, tinha total razão ao afirmar que os presos deixam a Apac melhor do que quando entraram.
Este modelo de prisão é tão eficiente que o juiz Juarez Morais aposta todas as suas fichas, também, no uso das tornozeleiras eletrônicas para monitorar os presos em liberdade condicional através do satélite. Ou seja, além de reeducar e ressocializar presos do regime fechado e semi-aberto, o juiz acredita que pode soltar condenados de bom comportamento para que eles possam cumprir as suas penas trabalhando normalmente, com total segurança para a sociedade.
Reduzir a criminalidade sem inflar os presídios
Antes desse benefício, o sentenciado recebe um mapa dos locais onde ele não pode ir. Essas informações vão para uma central do Fórum e da PM que pode, por meio desse recurso, vigiar o preso 24 horas. Digamos que o preso está em um local e necessita de sair de sua "ilha" por algum motivo relevante; basta ele pedir ao juiz a autorização pelo microfone instalado no aparelho preso ao tornozelo e aguardar a decisão.
A eficiência da tornozeleira eletrônica está comprovada em vários países. Agora, que comprovei também o sucesso da Apac, posso afirmar, com certeza, que a solução para se reduzir a criminalidade sem inflar os presídios existe. Basta confiar nas pessoas que acreditam nisso e proporcionar condições para que elas possam levar seus projetos adiante, com uma grande economia para o país.
O custo-benefício da Apac é fantástico. O preso sai a R$ 500,00/mês, contra os R$ 2,2 mil do modelo convencional, fora a redução da população criminosa, na faixa de 60 a 80%. O Brasil conta atualmente com 500 mil presos e pode, a médio prazo, baixar esse quantitativo para 150 mil, mesmo com o aumento da repressão. Basta proporcionar a esses jovens uma segunda oportunidade, através da sua ressocialização, como determina, aliás, a Lei de Execuções Penais.
Eu, que vivi metade dos meus 60 anos frequentando cadeia e retratando a criminalidade, não poderia recomendar a Apac a ninguém se não tivesse a certeza absoluta de sua eficiência.

FONTE: http://www.luisnassif.com/profiles/blogs/o-sucesso-do-presidio-sem

Madri abre clube privado para consumo de maconha

Por Gunter Z. - Sampa


Érica Chaves Direto de Madri
Começou a funcionar há cerca de um mês em Madri, na Espanha, o Private Cannabis Club, o primeiro clube privado de consumo de maconha da cidade. Em poucas semanas, o grupo já reúne mais de 100 sócios com idades entre 18 a 70 anos que recorrem à sede para fumar tranquilamente sua cota mensal.
Para ser sócio é preciso ser maior de idade, passar por uma entrevista e pagar 10 euros por mês (o equivalente a R$ 23) para poder consumir um máximo de 50 gramas de maconha por semana. A maioria das pessoas vai ao clube apenas para se divertir, mas há também aqueles que usam a maconha de forma terapêutica.
Com quase 900 m², o Private Cannabis tem a maior sede de associação deste tipo em toda a Espanha, com muito espaço para o lazer. São salas com sofás, TVs com canais a cabo, vídeogame, pebolim, bilhar, um bar e restaurante com forno para pizza. "Nós queríamos, mais que um lugar só para fumar, um espaço de ócio com um bom restaurante para que as pessoas não precisassem sair da sede para comer depois de fumar", diz o presidente Pedro Álvaro Zamora García. Além de um cardápio comum a qualquer restaurante, no bar são vendidos brownies, biscoitos e sobremesas feitas à base de maconha.
Desde 1974, o consumo privado coletivo da droga é permitido no país, mas o clube compra a maconha semanalmente no mercado negro, mesmo não estando de acordo. O comércio de cannabis configura crime. Por isso, o Private Cannabis revende pelo preço que adquire e usa parte da cota paga pelos sócios para a manutenção do espaço.
Entre os sócios está Carlos Gonzalez. Ele recorre ao clube porque prefere não fumar perto dos filhos pequenos. "Explicarei o que é a maconha quando eles tiverem idade para entender, mas espero poder explicar que é uma droga qualquer como o tabaco ou o álcool", afirma.
Outro dos sócios, o venezuelano Paco Puig, que trabalha no bar da sede, diz que o emprego tem lhe tirado a vontade de consumir a droga. "Fico o dia todo aqui e só com o cheiro já perco a vontade de fumar. Às vezes, fumo quando chego em casa, mas não sinto falta. Não sou um viciado", diz.
Na família de Puig, ele e o irmão fumam maconha. Embora não tenha enfrentado problemas com a família por causa disso, é mais conservador quando o assunto são seus filhos. "Hoje meus filhos são crianças e não fumo na frente deles. Quando chegar a hora, explicarei o que eles quiserem saber, mas não admito que eles fumem antes de terminar os estudos e serem donos de suas vidas, afinal, um adolescente não consegue aprender matemática fumando maconha. Quero que eles sejam algo na vida", diz.
Negócio em expansão
A ideia de abrir um clube privado para consumo de maconha vem se expandindo na Espanha. São dezenas na Catalunha e na região basca, além de muitos em processo de formação em todo o país. Kamamudia, a associação mais antiga, funcionou de 1997 a 2001 com cultivo coletivo de maconha na região basca. Em 2002, a sociedade se desfez e deu origem à Pannagh, em Bilbao, e à Ganjazz, em São Sebastião. A primeira tem 377 sócios e a segunda, 255, mas com metade das vagas para usuários terapêuticos do THC (tetrahidrocanabinol, que é o princípio ativo da maconha). Ambas cultivam a droga para o consumo. "Nosso objetivo é informar as pessoas e ter um lugar para que elas possam consumir maconha de qualidade num local seguro sem ter que recorrer a traficantes", explica Iker Val, presidente da Ganjazz.
Segundo a Federação de Associações Canábicas (FAC), a Espanha tem mais de 2 milhões de consumidores e a principal luta não é a legalização, mas a normatização do uso da maconha no país. "Queremos ter controle sobre a produção e a qualidade e não aumentar o consumo para ter mais lucro, como é o caso do comércio do tabaco e do álcool. Com as associações que criam os clubes privados a situação está mudando radicalmente porque os consumidores deixam de financiar as máfias, pagam o preço justo e têm mais informação sobre as propriedades do produto que consumem. Além disso, permite que os governos da UE cedam sem mudar as leis já existentes", diz o presidente da FAC, Martín Barriuso.
A lei é a mesma para toda a Espanha, mas há regiões mais tolerantes que outras. Enquanto em basca a pena por portar maconha é o confisco da mesma, em Madri há multas em dinheiro que podem chegar a 1,5 mil euros (o equivalente a R$ 3.390).
Para o madrilenho Carlos Gonzalez, a demora em abrir o primeiro clube na capital espanhola está diretamente relacionada ao exemplo que uma capital deve dar ao resto do país. "A Catalunha e a região basca são duas áreas separatistas, que querem marcar algumas características que justifiquem que são diferentes do resto do país. Aqui em Madri, as pessoas são mais conservadoras. Foi preciso que alguns dessem sua cara à tapa para que conquistássemos esta liberdade. E depois deste primeiro passo, virão outros mais", explica.
(minha nota : enquanto isso, será que na maior metrópole da 5ª maior economia do mundo rola um clube privado para tabaco?)


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Grupo Multidisciplinar de Estudos sobre Psicotrópicos Lícitos e Ilícitos

Caso tenha interesse em fazer parte de um grupo multidisciplinar de alunos, pesquisadores e professores universitários dedicados a pesquisar a respeito de drogas licitas e ilícitas, sinta-se convidado a comparecer a uma reunião com um pesquisador membro da ABESUP (Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicotrópicos) e do NEIP (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos) para discutir a proposta acadêmica.

Tópicos a serem discutidos na reunião:

- Linhas de pesquisa. - Groups de pesquisa

- Atividades acadêmicas, aulas, cursos, simpósios, documentários e encontros de pesquisadores

- Orientação acadêmica de professores

- Publicação das pesquisas em livros ou revista especializada.

- Site e forum de discussão

- Parceria com a ABESUP / NEIP

Local: CH da UECE
Av Luciano Carneiro s/n
Data: 21 DEZEMBRO 2010
Terça. 15:00 horas Sala de vídeo 2

"Jogar sobre a favela o enfrentamento ao crime organizado é falácia", afirma Marcelo Freixo

Por Tatiana Merlino
Para o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol/RJ), a ação da polícia do Rio de Janeiro e das Forças Armadas no combate às drogas não enfrentam o problema com eficácia. Ele explica que os grandes traficantes operam no mercado internacional, e que tais atividades são de “muito lucro e muitas relações de poder. E nenhuma dessas características podem ser atribuídas àquelas pessoas que passavam correndo da favela do Cruzeiro para o Alemão. Aquelas pessoas tem a capacidade da barbárie, da violência e arma na mão. Mas eles não representam sequer 1% dos moradores da favela do Rio de Janeiro”.
O que está por trás desses conflitos do Rio de Janeiro?
Não tem nada de tão novo assim. Na verdade, o grande debate da segurança pública no Rio de Janeiro é sobre Estado, território, soberania e governança e que é o grande debate do Rio de Janeiro. Esse momento foi importante. Aquele era um lugar com muitas drogas, muitas armas, onde há uma determinada facção do varejo da droga. Porém, o crime organizado não está na favela. O que se organiza em favela é a barbárie do crime que conta com menos de 1% dos moradores de qualquer favela, diga-se de passagem.
O que está sendo vendido é que os traficantes estão realmente sendo realmente enfrentados. Isso é verdade?
Os grandes traficantes operam no comércio internacional, tanto droga quanto arma fazem parte do comércio internacional. Ambos estão sempre entre os quatro maiores comércios do mundo, são atividades de muita complexidade, muito lucro e muitas relações de poder. E nenhuma dessas características podem ser atribuídas àquelas pessoas que passavam correndo da favela do Cruzeiro para o Alemão, porque aquelas pessoas tem a capacidade da barbárie, da violência e arma na mão. Mas eles não representam sequer 1% dos moradores da favela do Rio de Janeiro. Então, jogar sobre a favela o enfrentamento ao crime organizado é uma falácia. O que não quer dizer que não seja importante tomar o Complexo do Alemão, e tirar de lá as armas, drogas e todo um aparato armado muito forte. Aquelas pessoas estavam lá para matar e para morrer a qualquer momento, isso tudo é verdade. Mas há uma nova polícia agora? Isso foi fruto de uma grande renovação da polícia do Rio de Janeiro? Não. Há a mesma polícia de sempre que foi alvo de muitas críticas, a maioria delas corretas. Não há uma nova polícia, há uma auto-estima, um outro olhar da população sobre a polícia, que pode e deve ser aproveitado para se fazer uma grande reformulação que essas polícias precisam.
Qual sua opinião sobre a ação policial e militar no Alemão?
Ela foi reativa, fruto de uma série de circunstâncias que afrontaram o governo. E, nesse sentido, houve uma reação que acabou sendo para o governador muito positiva. E isso, de alguma maneira, traz à sociedade um debate sobre segurança pública que é muito perigoso. A ideia de dizer que tudo no Rio de Janeiro está resolvido a partir disso, e que parte da imprensa chamou de “Dia D”, o que é uma farsa midiática. O Rio não é outro a partir desse momento. Esse é um episódio importante, repito, não dá para desconsiderar, até o olhar da sociedade é importante, mas não é um outro Rio de Janeiro que temos a partir de agora. O tráfico de armas continua muito forte e não está alterado. O próprio tráfico de drogas, a quantidade de territórios que são dominados por grupos criminosos continua muito grande no Rio de Janeiro. As milícias estão com seus líderes presos, mas suas atividades econômicas continuam funcionando à vontade. O sistema prisional do Rio de Janeiro, como do Brasil continua um caos. Não existe política penitenciária, não há controle sobre a polícia, há uma formação precária dessa polícia, há salários baixos para que a polícia seja barata e mais fácil de ser controlada. Há problemas estruturais que não estão resolvidos no Rio de Janeiro. Não há sequer apontamento do início de uma transformação e isso tudo tem que ser visto com muita calma nesse momento.
E em relação a essa ação? Há denúncias de violações por parte das forças do Estado, as entradas sem mandado…
A gente está acompanhando. A defensoria colocou um ônibus do núcleo de direitos humanos dentro do Complexo do Alemão e está recebendo uma quantidade enorme de pessoas. Para o governo, seria uma burrice nesse momento permitir que essas violações virassem regra, porque ele vai colocar a perder toda uma imagem que tentou construir, de uma operação bem sucedida, como se diz. Seria uma burrice para o governo permitir que essas ações saíssem do controle dessa determinada imagem construída. Tem denúncias chegando, também os apoios da própria população local às ações policiais está muito forte, são maiores que as denúncias. Nós nos reunimos com moradores. A sociedade civil organizada está lá dentro.
O que tivemos foi uma ação militar dentro do Complexo do Alemão. O grande questionamento é: vai ser construído uma soberania? Porque aí a gente faz um debate verdadeiro, que é o mesmo que estamos fazendo sobre as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Elas significam construção da soberania da favela? Não. Elas representam a retomada do Estado militarmente de territórios que interessam a um projeto de cidade. Tem avanços? Tem. O próprio morador da UPP diz: “é melhor a paz armada do que a barbárie”. Mas isso tem prazo de validade.
E quais são as consequências dessa paz armada? Porque também há denúncias de violações com a instalação das UPPs?
O morador da UPP diz: “meu filho saía de casa e tinha guerra de facção na porta da minha casa, e isso hoje não tem mais. Então, melhorou”. Essa opinião do morador tem que ser respeitada. Isso não é um detalhe. É isso que faz esse morador dizer que ele quer a UPP, e o que não tem UPP querer que a UPP vá para lá. Agora, cabe a quem tem uma leitura do papel do poder público, mostrar que isso não significa soberania um novo papel da favela na concepção de cidade do Rio de Janeiro. Os moradores não tem instrumento de consulta, de participação, não tem outros setores do poder publico chegando. E boa parte das áreas da UPP não tem coleta de lixo, não tem creche, não tem boas escolas, não tem posto de saúde. Então, nesse sentido, você pode discutir que a soberania vem com a construção de políticas públicas muito maiores do que simplesmente a tomada de território. Esse é um debate que o Rio de Janeiro tem que fazer em relação ao Complexo do Alemão e todo o Rio.
Em relação às UPPS e jogos olímpicos, é possível dizer que a segurança dos jogos olímpicos é a prioridade?
Claro, é inevitável, pelos grandes investimentos que vão receber. O mapa das UPPs é revelador do papel que os jogos olímpicos vão ter na cidade do Rio de Janeiro. O que são as barreiras acústicas? Não é possível que alguém acredite que a preocupação do prefeito é criá-la em função dos tímpanos dos pobres. A mesma prefeitura que não está preocupada com creches e saneamento básico vai estar preocupada com os tímpanos dos moradores? É uma piada. Aquilo é uma barreira visível, não acústica. É para que não se veja a favela. As UPPs precisam ser pensadas com as barreiras acústicas, com as remoções, com os muros. É um projeto de cidade de que claramente tem uma perspectiva de investimento para os jogos olímpicos.
Qual sua opinião sobre a permanência da polícia no local por tempo indeterminado, e sobre o aumento de 4 milhões na folha salarial dos gastos, que serão financiados pela iniciativa privada?
Isso eu acho gravíssimo, como também acho gravíssimo o que vem acontecendo com as UPPs dessas parcerias privadas de financiamento. Eu acho gravíssimo, porque a segurança pública é um instrumento de Estado que não pode atender à lógica privada. Essas parcerias são muito perigosas.
Há interesse por trás disso?
Claro. Evidente que não tem a menor condição da polícia sair do Complexo do Alemão nesse momento, não dá para dizer isso. Agora, ela vai estar lá com que propósito do poder público? Perspectiva exclusivamente militar? Não pode. O Complexo do Alemão não precisa estar com muita polícia para gerar uma certa sensação para quem está fora do Alemão. Ele tem que ser seguro para quem mora lá. E não é só a polícia que vai garantir isso. Assim como não é só a polícia que vai garantir que a UPP seja uma unidade de polícia pacificadora. A pacificação não é um instrumento que a polícia possa garantir sozinha. Nem a do Rio e nem de lugar nenhum do mundo.
Qual sua opinião sobre essa compreensão de que a cidade esteja em guerra, que estejamos numa luta entre o bem e o mal?
Não há uma guerra, isso é um horror.
É uma ideologia reiterado pela mídia…
É a história do “dia D”…. O armamento é de guerra? Sim. O número de mortos é maior do que muitos países em guerra? É verdade. As cenas, muitas vezes podem ser confundidas com um cenário de guerra? Sim. Só que tem um elemento central. Não tem ninguém disputando o Estado. Não tem ideologia. É arma na mão e cabeça vazia. Não há disputa de Estado, de poder político. Não tem uma nova corrente disputando espaço no poder. Então não tem guerra. É a ideologia. O problema da concepção da guerra é que na guerra o objetivo é sempre eliminar o inimigo. A guerra traz implícita no seu conceito a ideia da eliminação do outro, e é o que a gente assiste por trás das políticas de segurança pública. Quando você mistura e confunde criminalidade com guerra, muda-se o papel do Estado. Você tira o papel do Estado de uma sociedade democrática, que em qualquer uma tem criminalidade, para a ideia de um Estado em guerra onde os limites são outros. Os limites legais, inclusive são outros.
E com isso se legitima ações..
Com isso se legitima, não necessariamente legalmente, mas no caldo de cultura, ações de extermínio, totalitárias e isso é muito perigoso.
Isso é o que se vê hoje no Rio de Janeiro?
Isso é o que se vê sempre. Sempre foi, veja aí quantos policias morrem e quanto eles matam nos últimos anos.
Dá para fazer um paralelo entre o que ocorre hoje e o que aconteceu em 2007, no Alemão, que levou à chacina?
Em 2007, a polícia entrou no Alemão, matou 19, saiu no dia seguinte e teve que voltar três anos depois com o aparato que nós vimos. Já tivemos a presença do Exército em 95, em 92, em 2002, em vários momentos. Quantas e quantas vezes tivemos os tanques apontando para as favelas, porque o novo inimigo não é mais o jovem universitário, o comunista, o subversivo, e sim quem sobrou de uma sociedade de mercado. Então, o aparato repressor do Estado se localiza para as favelas, que é onde moram os inimigos.
Isso é criminalização da pobreza?
Claro, o Estado opera na lógica da criminalização da pobreza. Tem, em seu sistema prisional, um instrumento fortíssimo da criminalização da pobreza. O Estado não tem a criminalização como consequência, ele tem instrumentos que fazem essa criminalização. E o discurso da guerra é fundamental para criar essa hegemonia.
Qual é sua opinião sobre a postura da mídia nesse caso do Rio?
É a espetacularização, e de um nível de irresponsabilidade atroz. Muitas vezes elas pautam o que querem ver ali, então, por outro lado é fundamental que acompanhem, que dêem noticias. Acho que muita coisa deixou de acontecer no Alemão porque a imprensa estava presente. Isso é importante. Por outro lado, esse processo de espetacularização e a utilização e determinados conceitos beira a irresponsabilidade e tem conseqüências, como o conceito de guerra.

FONTE: http://carosamigos.terra.com.br/

Guerra do tráfico em Ciudad Juárez registra recorde de 3 mil mortos em 2010

Ciudad Juárez, considerada a cidade mais perigosa do México, registrou nesta quarta-feira (15/12) a marca recorde de três mil assassinatos em um só ano, dez vezes mais do que o total em 2007. De acordo com a polícia local, a marca foi atingida após a morte de duas pessoas nesta terça-feira (14/12).

No ano passado, 2.763 pessoas morreram em Juárez, 1.140 a mais do que em 2008. Um total de 7.386 pessoas morreu em Juárez nos últimos três anos.

Diretamente afetada pela atuação de cartéis do tráfico de drogas, Juárez se tornou um símbolo da violência no México. Desde o início da política do governo de Felipe Calderón no combate ao crime organizado, mais de 30 mil pessoas morreram em episódios ligados ao narcotráfico em todo o país.

Aztecas

Em 29 de novembro, a polícia mexicana prendeu o suposto líder da gangue dos Aztecas, tido como responsável por grande parte da violência em Juárez, localizada na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Os integrantes da gangue trabalham como matadores para cartel de traficantes de Juárez.

Arturo Gallegos Castrellón confessou ter ordenado a maioria das mortes ocorridas desde agosto de 2009, entre elas a de uma funcionária do consulado dos Estados Unidos na cidade e de cinco policiais federais, informou a polícia.

Os Aztecas e uma outra organização local, conhecida como Barrio Azteca, operam nos dois lados da fronteira. As duas gangues são aliadas ao cartel Juárez, que está lutando contra o cartel rival Sinaloa pelo controle da cidade e de suas rotas de tráfico.

FONTE: http://operamundi.uol.com.br/noticias/GUERRA+DO+TRAFICO+EM+CIUDAD+JUAREZ+REGISTRA+RECORDE+DE+3+MIL+MORTOS+EM+2010_8255.shtml

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

UPPs transformam favelas cariocas em campos de concentração

Opinião é da socióloga Vera Malaguti, que participou do seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal”, realizado em São Paulo

09/12/2010

Luciana Araujo
De São Paulo (SP)

Em meio à onda de legitimação das ações policiais nas comunidades cariocas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, com o apoio espetacularmente armado do Exército e da Marinha, dezenas de entidades realizaram, entre 7 e 9 de dezembro, o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal”, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, centro da capital paulista.
Na abertura do seminário, a socióloga Vera Malaguti, uma das palestrantes, afirmou que está em curso no Rio de Janeiro a transmutação do modelo da penalização exacerbada das camadas mais pauperizadas da população para um projeto de militarização da segurança pública. Vera afirma que essa realidade está levando à “transformação das periferias e das favelas em campos de concentração, como é o projeto das UPPs”.
Para Malaguti, a comparação se justifica pelo “controle absoluto e militarizado, com mortes em série,” imposto às comunidades. “É a ocupação militarizada dos territórios de pobreza”, afirma.
Nas favelas onde foram instaladas as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora, a autoridade militar determina até mesmo o tipo de música que os moradores podem ouvir. O funk, um dos ritmos mais difundidos nas comunidades do Rio, está no rol das manifestações musicais proibidas. Também são controladas pelo comando das UPPs atividades como festas e churrascos e o horário de circulação dos moradores.
“Estamos vivendo, para que fluam os negócios olímpicos transnacionais, um verdadeiro massacre das favelas cariocas. Então você tem metáforas como as ‘cercas ecológicas’, ‘muros acústicos’. E todos aqueles ‘verdes’ da Natura aderindo. Quando os pobres ocupam o território, é como se eles poluíssem a natureza”, criticou Vera.
Para ela, que ocupa a secretaria geral do Instituto Carioca de Criminologia, “a classe trabalhadora brasileira está presa, dentro e fora das prisões”.
Vera Malaguti voltou a mencionar o regime totalitário ao afirmar que “nosso secretário de segurança [José Mariano Beltrame] diz que é um técnico, mas as SS nazistas também eram polícias técnicas altamente qualificadas”.

A grande mídia demanda mais violência
A socióloga também criticou duramente a cobertura da mídia às ações policiais e seus resultados. “A mídia é a grande produtora de uma demanda por mais prisões e mais penas”.
A omissão, pela quase totalidade dos veículos de comunicação, das mortes ocorridas durante a operação iniciada no dia 21 de novembro foi apontada como parte do processo de legitimação de uma ação eivada de ilegalidades por parte das polícias civil e militar do Rio de Janeiro com o apoio das forças armadas.
Há veículos que até hoje sustentam a versão de que não teria havido mortes de “civis”. No entanto, ao menos 51 pessoas foram assassinadas por disparos efetuados por agentes do Estado, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública. Entre eles uma adolescente atingida na cabeça dentro do quarto onde estudava, um agente de segurança morto diante das câmeras enquanto levava convites do aniversário do filho para vizinhos, um idoso e um dos suspeitos de envolvimento com o tráfico na Vila Cruzeiro fuzilado enquanto cruzava a estrada que liga aquela comunidade ao Complexo do Alemão, também sob a cobertura das principais redes de TV. Ressalte-se que a legislação brasileira não prevê a pena de morte e a Constituição Federal veda a prática da execução sumária.
Também participaram do debate a coordenadora do Núcleo de Questões Criminais e Penitenciárias da Defensoria Pública, Carmen Silvia Moraes de Barros, o ex-governador e secretário de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista, e o historiador Davison Nkosi.
O seminário foi uma iniciativa do Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus. O Tribunal Popular, como é conhecido, existe desde 2008 e é uma articulação de entidades e movimentos sociais que se propõe a discutir as violações aos direitos humanos promovidas pelos agentes do Estado e organizar ações de resistência e solidariedade às vítimas.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5263

"O fim das drogas é um ideal impossível, indesejável e totalitário", afirma o historiador Henrique Carneiro

Historiador da USP aponta que política anti-drogas no Brasil é inspirada em modelo dos EUA

10/12/2010

Renato Godoy de Toledo
da Redação

A guerra às drogas tem um efeito paradoxal. Ao mesmo tempo em que as apreensões de toneladas de drogas prejudica um determinado grupo, ela favorece traficantes rivais, já que o preço das substâncias tende a aumentar. Esta é análise do professor Henrique Carneiro, historiador da USP e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip).
O historiador também ressalta que a proibição da maconha está ligada a sua origem africana na cultura brasileira. Confira entrevista abaixo.

Brasil de Fato - As ações recentes no Rio de Janeiro parecem ter como finalidade - ao menos tentam passar essa impressão - o fim de todas as drogas, com a apreensão e incineração. Existe, historicamente, relatos de alguma sociedade que tenha vivido sem substâncias psicoativas?
Henrique Carneiro - São muito raras as sociedades que tinham um ideal de completa abstinência, em geral eram estados militaristas como Esparta. A grande maioria das sociedades tem no uso de drogas, seja álcool ou outras, um comportamento universal, com enorme importância cultural e econômica. O "fim das drogas" é um ideal impossível, indesejável e totalitário.
No RJ as operações só fortalecem o tráfico, elevam o preço, eliminam ou enfraquecem uma facção, mas as outras e a própria corrupção no interior da polícia, associada com as milícias, faz o negócio continuar florescente. Na medida em que houver demanda, haverá mercado, se houver proibição, o mercado dará mais lucros.
As políticas no Brasil seguem um modelo global imposto pelos EUA em que o álcool e o tabaco, que são as drogas mais perniciosas, não são objeto de controle, mas outras substâncias derivadas de plantastradicionais como a papoula, a coca e a Cannabis são condenadas à erradicação. A estigmatização em particular da maconha tem a ver também com sua origem africana na cultura brasileira.

Qual é a sua avaliação sobre a política de combate às drogas no Brasil?
As políticas no Brasil seguem um modelo global imposto pelos EUA em que o álcool e o tabaco, que são as drogas mais perniciosas, não são objeto de controle, mas outras substâncias derivadas de plantastradicionais como a papoula, a coca e a Cannabis são condenadas à erradicação. A estigmatização em particular da maconha tem a ver também com sua origem africana na cultura brasileira.

A massa empregada hoje no tráfico de drogas não seria prejudicada com a legalização das drogas? O que o senhor acredita que possa acontecer com essas pessoas em um processo de legalização? O senhor crê em uma retaliação do crime organizado contra a legalização?
A legalização apenas, isolada de mudanças estruturais nas políticas públicas que combatam a desigualdade social, não irá trazer mudanças estruturais, mas irá deslocar um dos pretextos de alta lucratividade para especuladores financeiros e para o próprio aparato repressivo, irá tirar um instrumento de repressão social e de criminalização da pobreza e irá desvincular a circulação das drogas do tráfico de armas.

As pesquisas de opinião sempre apontam a contrariedade da população em relação à legalização das drogas. Essa opinião parece ser guiada mais por um aspecto moral do que racional. Há um caminho para inverter esse quadro?
O caminho é a explicação científica da universalidade e diversidade das drogas, da periculosidade comparada e das políticas diferenciadas para cada uma. A educação para uma cidadania autônoma, responsável e com liberdades garantidas exige um modelo de auto-controle baseado em ideais de temperança e não de abstinência.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5267

"O tráfico é o maior interessado na proibição das drogas"

Guerra às drogas é um pretexto para ampliar controle social sobre comunidades, afirma ativista
10/12/2010

Renato Godoy de Toledo
da Redação
Para Júlio Delmanto, mestrando em história social e membro do Coletivo anti-proibicionista DAR (Desentorpecendo a Razão), o pano de fundo para as ações militares no Rio de Janeiro são os eventos esportivos que ocorrerão na cidade em 2014 (Copa do Mundo) e 2016 (Olimpíadas). O DAR é um dos organizadores da Marcha da Maconha que vem sendo sistematicamente proibida pela Justiça. Delmanto fala sobre a guerra às drogas e às restrições à liberdade de expressão dos anti-proibicionistas em entrevista abaixo.
Brasil de Fato - As ações recentes no Rio de Janeiro parecem ter como finalidade - ao menos tentam passar essa impressão - o fim de todas as drogas, com a apreensão e incineração de toneladas de substâncias ilícitas. O que representa essa postura para você?
Júlio Delmanto- A ficção do combate às “drogas”, como se as substâncias fossem dotadas de propriedades malignas por si, tem sustentado uma série de atrocidades nos últimos 40 anos, no Brasil e no mundo. O entendimento internacional caminha cada vez mais para um consenso quanto ao fracasso do proibicionismo, e esse parecia ser um caminho trilhado também por aqui, até os recentes eventos no Rio de Janeiro. Mesmo as UPP's tinham mais como objetivo desarmar o tráfico do que extingui-lo, talvez partindo da óbvia constatação de que as drogas ilícitas nunca vão acabar pelo simples motivo de que a demanda nunca vai acabar, queira o Estado ou não. Neste momento do Rio me parece que as drogas voltam a ser colocadas como responsáveis por todos os males sociais cujas origens são complexas e fundadas na desigualdade social, mas novamente fica claro que o problema não é coibir tráfico e uso de drogas ilícitas. É impensável que uma estratégia que visasse esse objetivo tivesse como foco somente o setor varejista, seria ridículo. O que há no Rio de Janeiro é uma disputa por território e uma tentativa militarizada de acirrar o controle social sobre as populações pobres, com vistas a garantir os interesses políticos e econômicos envolvidos nos mega-eventos esportivos que o Brasil vai sediar, e que já estão rendendo milhões para a iniciativa privada brasileira e estrangeira e para os políticos e líderes esportivos corruptos. Assim, do mesmo modo como “a droga” foi desde muito tempo usada como máscara para disfarçar estratégias de criminalização da pobreza e racismo, novamente o seu suposto combate é utilizado para justificar intervenções que não só são incapazes de afetar o comércio de substâncias ilícitas como estão longe de ter esta intenção.

Na sua opinião, essa postura não pode estar inflacionando a droga em territórios comandados por outros grupos?
Esse é um aspecto interessante, e do qual não tenho dados precisos para afirmar nada com certeza. Mas parece fundamental entender os diferentes tratamentos dados pela polícia carioca aos diferentes comandos, e também a forma mais branda como esta atua em territórios controlados por milícias. Não sei se necessariamente há uma atuação deliberada no sentido de fortalecer um ou outro comando ou de privilegiar milícias, mas tudo indica que ao menos existem acordos de convivência, certamente permeados por interesses políticos e muita corrupção. Salientando sempre que o chamado tráfico de drogas é o maior interessado na proibição das drogas, uma vez que é esta que maximiza seus lucros.

A massa empregada hoje no tráfico de drogas não seria prejudicada com a legalização das drogas? O que o senhor acredita que possa acontecer com essas pessoas em um processo de legalização? O senhor crê em uma retaliação do crime organizado contra a legalização?
Em primeiro lugar temos que diferenciar os grandes líderes do tráfico dos trabalhadores, da “massa” empregada neste serviço. Hoje mesmo (4 de dezembro) saiu na Folha um dado de que mais da metade destas pessoas não chega a ganhar 800 reais, que sua expectativa de vida é baixíssima e suas jornadas de trabalho muito intensas (10 horas diárias, sem folga semanal). Obviamente que eles se sujeitam a isso diante da total ausência de oportunidades, não estão ali obrigados, mas saliento isso para pensarmos que quem está ganhando mesmo com o tráfico são poucas pessoas, e certamente elas não estão nos morros. Assim, são estes grandes lucradores do comércio de drogas os principais interessados na ilegalidades destas substâncias. No entanto, uma legalização obviamente retira os meios de subsistência desta outra parcela, os empregados do comércio varejista de drogas, e daí podemos supor sim algum tipo de resistência por parte destas pessoas. Fica claro neste exemplo um aspecto importante que nós do Coletivo DAR fazemos questão de ressaltar: na mesma medida em que não concordamos com a fetichização que toma as drogas como entes malignos causadores de todos os problemas sociais, não vemos na legalização e regulamentação destas substâncias a salvação para todos estes problemas sociais. A legalização representa um golpe na violência do crime e do Estado, mas não resolve problemas causados por séculos de desigualdade social, corrupção e exploração. Portanto, não podemos esperar que uma mudança na política de drogas responda a problemas que são somente potencializados pela proibição das drogas, e não causados por ela.

As pesquisas de opinião sempre apontam a contrariedade da população em relação à legalização das drogas. Essa opinião parece ser guiada mais por um aspecto moral do que racional. Há um caminho para inverter esse quadro?
Certamente vivemos um ambiente de conservadorismo muito grande da sociedade brasileira, o que ficou claro nas eleições e também no grande apoio às intervenções militares absurdas do Rio. Tendo isso em vista, nós do Coletivo DAR pautamos nossa atuação no momento para uma busca de mudança de mentalidade, pois só depois disso é que mudanças de lei podem ser viáveis. De fato não é simples lidar com esse moralismo, evidente não só nesta questão mas em diversas outras, como o forte movimento contrário à legalização do aborto ou a enorme homofobia presente no brasileiro, mas acreditamos que é possível dialogar com estes entendimentos no sentido tanto de problematizar tanto o direito individual quanto os danos nefastos da proibição das drogas. Uma problematização do tratamento injustificavelmente diferenciado dado a drogas legais e ilegais também é um caminho interessante para desbancar este moralismo absolutamente sem argumentos. Sem dúvida é um processo lento.

A marcha da maconha vem sendo sistematicamente proibida no Brasil. Como vocês avaliam essa atitude do judiciário?
Aí já estamos falando de outra questão, que vai além do debate sobre políticas de drogas. Entendo que alguém possa ser contrário à mudanças neste sentido, apesar de discordar, mas é absolutamente inaceitável que alguém possa se posicionar contra a liberdade de expressão e de manifestação, pilastras básicas de sustentação de qualquer democracia minimamente respeitável. Este entendimento ridículo acontece somente em alguns Estados brasileiros, como São Paulo, enquanto outros realizam suas marchas tranquilamente, como Pernambuco e Rio. A expectativa é que o STF julgue logo esta questão, e me parece impensável que ele se posicione contra a liberdade de expressão. Por enquanto, só posso avaliar essa atitude do judiciário como revoltante e injustificável, e não posso entender que alguém concorde com isso, mesmo que discorde de nossas posições e proposições.

O evento é sempre estigmatizado como uma apologia à maconha e sendo organizado por "maconheiros". Qual estratégia vocês usam para deixar de lado a pecha de "evento de usuários" para tornar-se uma manifestação daqueles que se opõem ao proibicionismo, usuários ou não?
O argumento de que a Marcha é uma apologia ao crime é muito fraco, uma vez que o evento visa exatamente discutir propostas de alteração na lei para que esta conduta deixe de ser crime. Ninguém utiliza substâncias ilícitas nem incentiva este uso durante a Marcha. No entanto, ainda existe este entendimento de que a Marcha é um evento focado simplesmente nos direitos do usuário, inclusive entre alguns participantes do evento, mas isso parece estar ficando cada vez mais secundarizado frente ao entendimento de que esta é uma questão que vai muito além desta questão, que por si só já seria importante o bastante. Assim como a legalização do aborto é uma demanda que abrange muito mais do que as reivindicações de mulheres grávidas que queiram interromper sua gestação, o mesmo se dá neste debate, que para mim é composto de dois pontos fundamentais a serem combatidos: a ingerência do Estado na vida privada dos cidadãos e os danos sociais causados pela proibição das drogas, que são infinitamente maiores e mais sérios do que os POSSÍVEIS (e é importante ressaltar que drogas – legais e ilegais – são sim potencialmente danosas, mas apenas potencialmente, assim como carros e alimentos) danos causados pelas substâncias. É este debate que a Marcha e o movimento antiproibicionista como um todo tem tentado passar, no caso do DAR temos especificamente uma preocupação muito grande com ampliar nossa intervenção para além de demandas restritas aos interesses dos usuários (que poderiam por exemplo ser contemplados com a mera descriminalização, o que não resolveria em nada o problema da violência) e para além também da mera legalização da maconha, uma vez que a violência e a repressão concentram-se também na proibição de outras drogas.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5266

"Guerra às drogas encarcera mais negros do que apartheid", afirma a jurista Maria Lúcia Karam

Para jurista, guerra se dirige aos mais vulneráveis socialmente.
 10/12/2010

Renato Godoy de Toledo
da Redação

A juíza aposentada do Rio de Janeiro, Maria Lucia Karam, afirma que a criminalização do usuário que ainda persiste no Brasil viola declarações internacionais e e a própria Constituição brasileira. Karam faz parte da Apilcação da Lei contra a Proibição (Leap, na sigla em inglês). Segundo a juíza, a guerra às drogas nos EUA - que serve de referência para outros países - já propicia um quadro de encarceramento da população negra que ultrapassa os indíces do regime do apartheid na África do Sul.

Judicialmente, o usuário de drogas ainda é tratado como criminoso? Na sua opinião, quais mudanças na legislação poderiam tornar o relacionamento do judiciário com o usuário mais humano?
Maria Lucia Karam: Sim, o usuário de drogas ilícitas ainda é tratado como criminoso no Brasil. A Lei 11.343/2006 – a vigente lei brasileira em matéria de drogas – ilegitimamente criminaliza a posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas em seu artigo 28, ali prevendo penas de advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa ou curso educativo e, em caso de descumprimento, admoestação e multa. A Lei 11.343/2006 apenas afastou a previsão de pena privativa de liberdade.
Não se trata de tornar o relacionamento do Poder Judiciário com o usuário mais humano. Na realidade, o mero fato de usar drogas ilícitas não deveria levar ninguém a se relacionar com o Poder Judiciário. A criminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas viola princípios garantidores de direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas, aí naturalmente incluída a Constituição Federal brasileira. A simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros são condutas que dizem respeito unicamente ao indivíduo que as realiza, à sua liberdade, às suas opções pessoais. Condutas dessa natureza não podem sofrer nenhuma intervenção do Estado, não podem sofrer nenhuma sanção. Em uma democracia, a liberdade do indivíduo só pode sofrer restrições quando sua conduta atinja direta e concretamente direitos de terceiros.

A guerra às drogas tem um cunho social? Isto é, ela atinge majoritariamente os mais pobres? Se sim, a sra. considera que essa é uma estratégia pensada propositadamente para atingir os mais pobres?
A “guerra às drogas” não se dirige propriamente contra as drogas. Como qualquer outra guerra, dirige-se sim contra pessoas – nesse caso, os produtores, comerciantes e consumidores das drogas tornadas ilícitas. Como acontece com qualquer intervenção do sistema penal, os mais atingidos pela repressão são – e sempre serão – os mais vulneráveis econômica e socialmente, os desprovidos de riquezas, os desprovidos de poder.
No Brasil, os mais atingidos são os muitos meninos, que, sem oportunidades e sem perspectivas de uma vida melhor, são identificados como “traficantes”, morrendo e matando, envolvidos pela violência causada pela ilegalidade imposta ao mercado onde trabalham. Enfrentam a polícia nos confrontos regulares ou irregulares; enfrentam os delatores; enfrentam os concorrentes de seu negócio. Devem se mostrar corajosos; precisam assegurar seus lucros efêmeros, seus pequenos poderes, suas vidas. Não vivem muito e, logo, são substituídos por outros meninos igualmente sem esperanças. Os que sobrevivem, superlotam as prisões brasileiras.
Nos EUA, pesquisas apontam que, embora somente 13,5% de todos os usuários e “traficantes” de drogas naquele país sejam negros, 37% dos capturados por violação a leis de drogas são negros; 60% em prisões estaduais por crimes relacionados a drogas são negros; 81% dos acusados por violações a leis federais relativas a drogas são negros. Os EUA encarceram 1.009 pessoas por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens brancos, são 948 por cem mil habitantes adultos. Se considerados os homens negros, são 6.667 por cem mil habitantes. Sob o regime mais racista da história moderna, em 1993 – sob o apartheid na África do Sul – a proporção era de 851 negros encarcerados por cem mil habitantes. Como ressalta Jack A. Cole, diretor da Law Enforcement Against Prohibition-LEAP – organização internacional que reúne policiais, juízes, promotores, agentes penitenciários e da qual orgulhosamente faço parte – é o racismo que conduz a “guerra às drogas” nos EUA.
Na Europa, a mesma desproporção se manifesta em relação aos imigrantes vindos de países pobres.
A função da “guerra às drogas” – ou do sistema penal em geral – de criminalização dos mais vulneráveis e de conseqüente conservação e reprodução de estruturas de dominação não é exatamente uma estratégia pensada propositadamente pelo político A ou B; é sim algo inerente ao exercício do sempre violento, danoso e doloroso poder punitivo.

As experiências de legalização/descriminalização das drogas têm ajudado a diminuir a violência em função do tráfico?
As experiências menos repressivas na atualidade limitam-se à descriminalização da posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas. A descriminalização da posse para uso pessoal das drogas ilícitas é um imperativo derivado da necessária observância dos princípios garantidores dos direitos fundamentais inscritos nas declarações internacionais de direitos e nas constituições democráticas. A posse de drogas para uso pessoal, como antes mencionado, é uma conduta que não atinge concretamente nenhum direito de terceiros e, portanto, não pode ser objeto de qualquer intervenção do Estado.
Mas essa imperativa descriminalização não é suficiente. Não haverá nenhuma mudança significativa, especialmente no que concerne à violência, a não ser que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas possam se desenvolver em um ambiente de legalidade. Para afastar os riscos e os danos da proibição, para pôr fim à violência resultante da ilegalidade, é preciso legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.
A legalização da produção e do comércio de todas as drogas afastará a violência que hoje acompanha tais atividades, pois essa violência só se faz presente porque o mercado é ilegal. ão são as drogas que causam violência. A produção e o comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. É a ilegalidade que cria a violência. A produção e o comércio de drogas só se fazem acompanhar de armas e de violência quando se desenvolvem em um mercado ilegal. A violência não provem apenas dos enfrentamentos com as forças policiais, da impossibilidade de resolução legal dos conflitos, ou do estímulo à circulação de armas. Além disso, há a diferenciação, o estigma, a demonização, a hostilidade, a exclusão, derivados da própria ideia de crime, a sempre gerar violência, seja da parte de agentes policiais, seja da parte daqueles a quem é atribuído o papel do “criminoso” – ou pior, do “inimigo”.
A produção e o comércio de álcool ou de tabaco se desenvolvem sem violência – disputas de mercado, cobranças de dívidas, tudo se faz sem violência. Por que é diferente na produção e no comércio de maconha ou cocaína? A óbvia diferença está na proibição, na irracional política antidrogas, na insana e sanguinária “guerra às drogas”.
Aliás, o exemplo de legalização que podemos invocar é o que ocorreu nos EUA na década de 1930, com o fim da proibição do álcool. O proibicionismo produziu e inseriu no mercado produtor e distribuidor do álcool empresas criminalizadas; fortaleceu a máfia de Al Capone e seus companheiros; provocou a violência que caracterizou especialmente a cidade de Chicago daquele tempo. Com o fim da chamada Lei Seca (o Volstead Act), o mercado do álcool se normalizou e aquela violência que o cercava simplesmente desapareceu.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5265

Tribunal Popular debate avanço da militarização da segurança

Operações policiais no Rio, o posto de terceira maior população carcerária do mundo e a criminalização dos movimentos sociais são exemplos cotidianos da guerra à pobreza

15/12/2010

 
Luciana Araujo
De São Paulo (SP)


As operações policiais nas comunidades da Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o posto de terceira maior população carcerária do mundo e a criminalização dos movimentos sociais são exemplos cotidianos do avanço da remilitarização da segurança pública no Brasil, na esteira do avanço do neoliberalismo. No seminário Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal, com a participação de cerca de 450 pessoas, foi discutida a relação dessa política com o aprofundamento da histórica segregação social brasileira e o estímulo à indústria do controle do crime. O evento aconteceu de 7 a 9 de dezembro no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, promovido pelo Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus, articulação de entidades e movimentos que desenvolve atividades de resistência e solidariedade às vítimas da violência estatal.
O ex-secretário de Polícia e ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Batista, destacou que “nunca o sistema penal participou tanto da acumulação capitalista como agora”. Nilo participou da mesa de abertura do seminário junto com a socióloga Vera Malaguti e a defensora pública Carmen Silvia Moraes de Barros.
“Atrás de todo choque de ordem tem sempre um deslocamento de economias informais populares para as economias formalizadas de grandes empresas, e também a indústria do controle do crime”, ressaltou.
Nesse momento, poucas semanas após o início das operações policiais nas comunidades cariocas controladas pelo Comando Vermelho, multinacionais como a Phillips, Procter & Gamble e outras já discutem instalar novas plantas no Rio. As indústrias têm recebido incentivos fiscais dos governos federal, estadual e municipal – caso da P&G, que obteve redução do IPTU e do ISS e se estabelecer na região da Cidade de Deus em 2009. A evolução do arsenal bélico exibido pelos traficantes e agentes do Estado também evidencia a lucratividade dessa ‘guerra’ urbana para indústria armamentista. ‘Guerra’ que teve início há quase 20 anos no Rio de Janeiro e não acaba nunca porque os verdadeiros responsáveis pela entrada de armas e drogas no país, e sua relação com a estrutura do Estado, não são enfrentados.
Somente a pobreza vem sendo atacada, pela via militar, para assegurar que a cidade esteja “preparada” para receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
“O Rio de Janeiro está vivendo, para que fluam os negócios olímpicos transnacionais, um verdadeiro massacre das favelas”, denuncia a socióloga e secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, Vera Malaguti.
Para Vera, as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) são parte de um projeto que transforma as favelas em “campos de concentração” altamente militarizados, cuja população é absolutamente controlada e há mortes em série. Ela criticou duramente o anúncio feito pela presidenta eleita, Dilma Rousseff, de expandir o modelo das UPPs para todo o país no próximo governo.
A “guerra ao crime” e o extermínio dos pobres
O Brasil tem hoje quase 500 mil presos amontoados em menos de 300 mil vagas. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional, 60% dos detentos são negros, 58% têm entre 18 e 29 anos e 44% ainda aguardam julgamento (são presos provisórios). “É um encarceramento em massa da pobreza, porque não há notícia de encarceramento das elites”, destaca o juiz e presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal, Juarez Cirino dos Santos. Na mesma mesa, o também juiz e integrante da Associação Juízes pela Democracia (AJD) Rubens Roberto Rebello Casara avalia que “perdemos o pudor de praticar ilegalidades contra as camadas mais pobres da sociedade brasileira” e que “não cabe falar em guerra, que pressupõe baixas nos dois exércitos: o que está acontecendo no Rio é extermínio”.
A reportagem tentou obter o levantamento consolidado das mortes, prisões e apreensões realizadas junto à assessoria de imprensa da Polícia Militar do Rio de Janeiro desde o dia 21 de novembro. A orientação foi procurar a 21ª Delegacia Policial. Lá, a informação foi de que os dados não estão disponíveis. A reportagem foi orientada a encaminhar um documento solicitando ao delegado chefe a divulgação de números que deveriam ser públicos. Até o fechamento deste texto a Secretaria de Segurança Pública não divulgou o número de mortes ocorridas nos dias 21 a 24 de novembro.
As famílias denunciam o arrombamento de residências, furto de pertences e ameaças em todas as comunidades onde há ações do ‘choque de ordem’.
Em São Paulo, à criminalização das periferias soma-se a ação estatal que potencializa as dificuldades para que essa parcela da população tenha condições mínimas de acesso ao Judiciário. O Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado dispõe de apenas 45 defensores para atender a uma população de quase 180 mil presos. E o Judiciário atua como “justiceiro social” na opinião da coordenadora do Núcleo, Carmen Silvia.
A situação se complica para os portadores de doenças mentais, mulheres e adolescentes. Depósitos de seres humanos como o Hospital de Custódia de Franco da Rocha seguem em funcionamento. As mulheres e mães dos presos são aviltadas durante as visitas e discriminadas pela sociedade. E as internas das instituições socioeducativas, embora representem apenas 4,5% da população jovem privada de liberdade, chegam a índices de 80% de medicalização nas unidades – como verificado no Estado da Bahia pela advogada Jalusa Arruda.
Tudo somado, a evidência de um Estado penal em vigor no Brasil é cabal. Na tentativa de combater esse modelo, as entidades e movimentos que se articulam no Tribunal Popular decidiram realizar novas atividades no ano que vem, incluindo um ato no Complexo do Alemão em janeiro. Também será organizado um Tribunal Popular da Terra, para discutir como a não realização da reforma agrária no país potencializa a criminalização da pobreza e a segregação social.

O sistema penal brasileiro em números

494.598 pessoas presas
299.587 vagas existentes em todo o país
57.195 pessoas cumprindo pena em delegacias
60% dos detentos são negros
58% têm entre 18 e 29 anos
44% são presos provisórios (prisões em flagrante, preventivas, temporárias aguardando julgamento)
41% cometeram crimes patrimoniais sem violência ou relacionados às drogas



Fonte: Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), dezembro/2010 

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5309

 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A surda guerra oculta, por Chico de Oliveira

A celebração quase unânime do assalto das forças estatais aos morros da Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão revela mais de nossa sociedade, dos impasses da política e do exercício do poder do que as firulas do PMDB e o negaceio do PT em torno da formação do governo da presidente Dilma.
Sob o mantra do combate ao crime organizado, o que se oculta é uma surda guerra de classes na outrora charmosa e agora ultraperigosa Cidade Maravilhosa. Essa guerra explode de tempos em tempos nos "bondes" (o termo é aplicado aos bandidos) das forças repressivas, levantando apenas a ponta do iceberg. Na verdade, nossa cidade mais bonita, ao lado de Salvador, que fazia os encantos dos brasileiros nas décadas de 40 e 50 do século passado, não resistiu à emergência da pobreza rude e sem eufemismos, como aqueles que cantava Sílvio Caldas em seu Favela.
Por mais maquiagem que as teles imprimam aos seus jornais, mesmo os mais realistas, como o do senhor Datena na Band, o desfile que se vê é menos o das tropas que no resto do ano não têm o que fazer, salvo patrulhar o Haiti, que é um Rio mais pobre e menos charmoso, e mais o de pessoas pobres, na maior parte das vezes pobremente vestidas ou pelo menos decentemente pobres, cujo calçado não passa de uma sandália havaiana falsificada. Por trás das câmaras, o rancor surdo das outras classes sociais, e sem pieguice, a resistência feroz, que se transforma periodicamente em ataques ainda mais ferozes, de uma parcela dos pobres que se transformou em traficantes, já que a civilização capitalista brasileira não lhes oferece outros meios de sobrevivência.
                                        
O aplauso de vastas porções da população do Rio apenas confirma que se trata de um ódio rancoroso; e, se enquetes forem realizadas em outras cidades, não tardará a aparecer um clamor público, já insinuado pelas autoridades, para que a façanha criminosa do Estado no Rio seja replicada em outros lugares do nosso País. A população viu, agora ao vivo e em cores, o reality show do Capitão Nascimento subindo o morro com o Bope; aliás, os que vivem nas favelas já se acostumaram a isso. Desta vez a vida ganhou da arte: mesmo o Tropa de Elite 2, cujos mais de 10 milhões de espectadores atestam o fascismo no ar, perdeu feio para a violência estatal em nome da lei. Se no capítulo da economia o capitalismo periférico açulado até a exasperação pelo governo Lula mal consegue se manter dentro dos limites da lei - porque a regra é enriquecer às custas do fundo público de qualquer maneira -, no capítulo da violência esperava-se apenas um evento mais provocador para soltar os cães da repressão sem nenhuma homenagem do vicio à virtude. O episódio mais antigo do PCC em São Paulo já havia quase provocado essa explosão de alegria do ódio reprimido.
Agora, o Rio deixou à solta os cães de aluguel. Ninguém se engane: por trás das fachadas engalanadas do Brasil do futuro que já chegou nas prateleiras das Casas Bahia, vive uma sociedade esgarçada, forçada a correr atrás do êxito a qualquer preço, liquidando sem juros qualquer valor civilizatório, que a muito custo conseguimos erguer depois da barbárie da ditadura militar.
Nenhum cientista social conseguiria ser mais contundente e mais preciso para diagnosticar a sociedade brasileira que essa crise apenas localizada no Rio. Está nas livrarias Hitler, do historiador britânico Ian Kershaw. Qualquer semelhança das brigadas que percorriam as ruas de Munique nos anos 20 com a subida aos morros e a reação dos traficantes no Rio não é coincidência: no ar, esse sentimento de insegurança, parente próximo do fascismo, rapidamente acende o rastilho de pólvora das relações de mercado não mercantilizadas, que são a raiz da pobreza no Brasil, e se transforma na violência mais desenfreada. A situação brasileira, de que o Rio é o emblema, pelos aplausos generalizados, pelos milhões de espectadores do Tropa de Elite 2, e no fim, mas não menos importante, pela presteza da Marinha em atender ao pedido do governo do Rio, parece que pede um ditador com punho de ferro. Felizmente, por ora, não tem nenhum candidato, não saímos de uma derrota militar severa, não derrubamos uma velha monarquia, nem há uma Grande Depressão. Há uma satisfação tola no ar: já realizamos a sexta eleição direta para presidente da República e estamos consolidando a democracia. Estamos? Não há "titio Adolf" à vista, mas não provoquemos a história; ela costuma responder à violência com violência.
Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

FONTE: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,a-surda-guerra-oculta,649417,0.htm

Tráfico passa roubo e já é o crime que mais manda gente para prisão em SP

08 de dezembro de 2010 | 0h 00
Bruno Paes Manso
Com estrutura enxuta, armas leves e sem a necessidade de controlar territórios para vender drogas, o tráfico é hoje o crime que mais cresce em São Paulo. Neste ano, o delito se consolidou como o que mais contribuiu para o aumento de presos nas cadeias e de adolescentes internados, ultrapassando o roubo qualificado, historicamente campeão no sistema penitenciário paulista.


As denúncias contra o tráfico são as que mais aumentam na Justiça. E, nas ruas de São Paulo, as ocorrências envolvendo entorpecentes são também as que mais crescem - 10.889 no último trimestre deste ano, comparado aos cerca de 7 mil em 2004. O resultado são prisões superlotadas. Entre dezembro de 2005 e junho deste ano, a detenção de envolvidos com o tráfico quase triplicou. Os quase 40 mil traficantes presos em São Paulo representam 62% mais do que toda a população carcerária do Rio. Os dados são do Ministério Público Estadual, do Departamento Penitenciário Nacional e da Secretaria de Segurança Pública. A situação também é dramática entre adolescentes - menores de 18 anos são cada vez mais recrutados como mão de obra nos pontos de venda. O reflexo é sentido na Fundação Casa: em novembro, as unidades ultrapassaram pela primeira vez a barreira dos 7 mil internos. Eram 5.754 adolescentes em 2006 - 55% trancafiados por roubo e 14% por tráfico. A explosão de internações ocorreu com crescimento de infratores traficantes, que representam 36,9% da população da Fundação, enquanto 37% estão nas unidades por roubo.
"Mais do que nunca, meninos passaram a ver o tráfico como oportunidade de emprego", diz a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella. "Estão abandonando o crime violento para migrar para o tráfico, porque, em tese, é uma atividade de menor risco, pouco uso de arma de fogo, com ganho mais rápido e que preenche a necessidade de um jovem consumista.




                             

 





PARA ENTENDER
Em SP, facção hegemônica; no Rio, brigas O tráfico em São Paulo sempre foi diferente do do Rio. Em vez de facções com centenas de homens, fuzis e hierarquias, os pontos de venda paulistas eram pequenos e vulneráveis, com duas a dez pessoas disputando à bala prestígio e clientes. A situação começou a mudar em 2000 quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) passou a coordenar a distribuição de drogas dentro das prisões e a hegemonia no mercado reduziu disputas de rivais.

FONTE: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101208/not_imp650863,0.php


“Há todo um mercado de violência e do controle da violência”, afirma Vera Malaguti

Para a socióloga Vera Malaguti, o país segue um modelo fracassado de guerra contra as drogas

09/12/2010
 
Raquel Júnia
EPSJV-Fiocruz


Nesta entrevista, a socióloga Vera Malaguti faz uma análise da situação de violência do Rio de Janeiro. Para ela, as últimas ações da polícia do Rio e das forças armadas no Complexo do Alemão demonstram que estamos seguindo aqui no Brasil um modelo fracassado de guerra contra as drogas. Vera Malaguti Batista é secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia e professora de criminologia da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Temos hoje uma política pública de segurança no Rio de Janeiro e no país?

Vera Malaguti -
Existe uma política articulada de segurança pública no Rio e no país. Sempre existiu, a ditadura tinha, o governo João Goulart tinha. Mas esta que existe agora, que está coordenada entre governo federal e estadual, tem característica diferente das outras. Acabamos de ter uma evidência aqui no Rio de que essas políticas estão articuladas.

E quais as características dessa política?


O controle totalizante sobre as comunidades pobres dentro do paradigma bélico, que é um modelo muito usado pelos Estados Unidos nas ocupações que promove. E também é um modelo usado por Israel no tratamento do Estado Palestino. Isso significa que existe um atropelo das garantias, as áreas pobres ficam transformadas em territórios de exceção, onde não regem direitos e as garantias são completamente supérfluas porque trabalham com a ideologia da segurança nacional. É o que o grande jurista argentino Raúl Zaffaroni chama de direito penal do inimigo. O governo do Rio tem a polícia que mais mata do mundo, tem toda a ideologia do confronto. Eu pensava que a política do governo federal era diferente, apesar de ter críticas a ela também. Mas agora eu percebo que as políticas estão coordenadas mesmo, o paradigma bélico é comum, inclusive com o uso das forças armadas na segurança pública, que é uma coisa muito controvertida na discussão nas escolas superiores de guerra, por exemplo. As forças armadas norte-americanas jamais entram como polícia. A não ser em casos muito especiais, como numa situação em 1993, muito pontual, e saem imediatamente. Mas eles gostariam muito que as forças armadas da América Latina entrassem nessa função porque isso faz com que desmoronem, como é o caso do México, onde essas ações das Forças Armadas são um fiasco completo, como é um fiasco completo a guerra contra as drogas. Mas é um fiasco em relação aos objetivos a que ela se propõe, porque na indústria da guerra ela é um espetáculo: vende tanques e armas para os dois lados. O capitalismo é completamente alimentado pelas guerras. Se olharmos toda a história do capitalismo, a própria história dos Estados Unidos, percebemos que nas crises econômicas a guerra levanta a economia. E nós aqui estamos incorporando esse modelito, que é um modelo fracassado. Os Estados Unidos se retiraram do Iraque fracassados, estão se retirando do Afeganistão sem possibilidade de vitória, mas a indústria bélica e seus serviços são vitoriosos.  E é essa indústria bélica que agora está sendo mimetizada para as políticas de segurança pública, porque política de segurança pública não tem nada a ver com o que está acontecendo, com a guerra. Tanto que o Nelson Sá, aquele jornalista da Folha de São Paulo, compara a cobertura da Globo sobre o que aconteceu no Complexo do Alemão com a cobertura que a Fox News deu sobre a guerra do Iraque. Então, é uma grande mercadoria, tanto que na véspera de transmitir o dia inteiro aquele horror, a Globo anunciou o noticiário do dia seguinte como Tropa de elite 3 . Há todo um mercado da violência e do controle da violência. Para o grande público, telespectadores de programas policiais, colocar as forças armadas nisso seria o ápice, mas para os estudiosos, para quem não está querendo aparecer muito, isso é uma coisa muito perigosa, muito controversa e acho que inclusive é irresponsável .

Quais as relações desta política de segurança com o projeto de cidade que se tem?


Tem tudo a ver com o projeto da cidade do Rio de Janeiro. Existe agora no Rio um conjunto de forças privadas, de negócios esportivos transnacionais, que irão ocupar a cidade. Tanto a prefeitura do Rio quanto o governo estadual estão nessa ocupação. O choque de ordem, por exemplo, é um eufemismo para uma contenção truculenta da pobreza e para as estratégias de sobrevivência da pobreza, por isso eu digo que me surpreende o governo federal ter embarcado nessa.

Que assuntos ou aspectos devem ser levados em conta na elaboração de uma política de segurança pública?


A questão é o que quer dizer segurança pública para nós. Para mim, é transporte coletivo não monopolizado, de boa qualidade, escola pública de boa qualidade – o Rio é o penúltimo estado em termos de educação pública. Segurança é decorrência de um conjunto de políticas públicas; é assim que nos sentimos seguros: quando temos políticas urbanas, políticas de iluminação, de cultura, de lazer. Numa cidade que precisa de tanta polícia, de exército, marinha, aeronáutica, cercando um quilombo, ou um Canudos ou uma favela, alguma coisa está fora da ordem, como diz o Caetano Veloso. E essa cena que estamos vendo é recorrente na história do Brasil. Na República, Canudos foi a chacina fundacional: naquele tempo todo mundo achava que aqueles eram os monstros, os demônios que ameaçavam a República. Tem aquela frasesinha de Euclides da Cunha [no livro Os Sertões, que retrata a guerra de Canudos] que dizia que, no final, “eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”. Estamos assistindo a isso: primeiro houve aquela coisa heróica da tomada do morro e agora já começamos a assistir situações de morador que foi roubado: aquilo que já conhecemos há tantos anos, que é a entrada violenta da polícia numa comunidade pobre, com roubo e pilhagem – que são os crimes de guerra.

Se formos a uma cidade tranqüila percebemos que tem pouca polícia. Em Buenos Aires, por exemplo, você entra num restaurante, aí aparece um velho policial gordo e pergunta: ‘boa tarde, está tudo bem?’ Essa é a figura daquilo que um dia já se sonhou no Rio de Janeiro: ter um policial ligado ao bairro. Mas essa estratégia bélica de ocupação, as próprias UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] não passam de uma ocupação militar das favelas. Mesmo que a capitã seja doce, seja uma mulher, seja ótima, uma gracinha – como ela deve ser mesmo, eu não a conheço -, é de apenas uma comunidade, que está aí na peça publicitária, que foi vendida como a grande solução mágica. Mas continua a matança no Rio pela polícia. e então, a UPP não é um programa alternativo, é mais uma estratégia. Há dois especialistas israelenses que estão dizendo que o que ocorre aqui é igual ao que ocorre em Israel. Toda essa ideia de reconquista do território, que vários sociólogos estão aplaudindo, é coisa do paradigma bélico, as pessoas estão incorporando já o vocabulário da guerra para a segurança pública. Isso é um fiasco para mim que acredito que segurança é uma outra coisa, mas há quem goste de ver tanque virado para a favela, a favela ocupada pela polícia, os moradores pedindo licença para tocar uma música – músicas que a policia não gosta, como o funk, não pode tocar.

Do ponto de vista da guerra, então, é um sucesso?

Não é um sucesso, é um sucesso de vendas,  tanto para a mídia quanto para os armamentos que estão sendo anunciados . Eu não vi ainda o sucesso do outro ponto de vista. Não tinha não sei quantos homens armados? Eu vi uns ferrados correndo armados, mas cadê o sucesso da operação? Porque a finalidade explícita era o sucesso da operação, mas a implícita é vender a guerra, a ode à polícia. O subsecretário da polícia civil estava vestido como os soldados se vestiam no Iraque. A Folha de São Paulo está dizendo que a Globo, que foi sócia na empreitada, já tinha sido avisada antes. Polícia civil é polícia investigativa, mas o cara está lá vestido de rambo, com colete, todo orgulhoso. E do lado de lá está Canudos. É aquilo que conhecemos há 500 anos, desde a colonização: só muda o crime, mas a estética é a mesma.

O discurso de uma parte da população é de recrudescimento da violência policial. Percebemos, nesse contexto, a glamourização das forças policiais, como do Bope, por exemplo. Como essa percepção é construída?

È construída ao longo dos tempos. A Rede Globo é uma grande construtora de subjetividades brasileiras. Mas acho que a sociologia fluminense também contribuiu muito para isso. Basta olhar as entrevistas dos sociólogos: só falta estarem de colete blindado aplaudindo. Agora a verdade das coisas começa a aparecer porque não prenderam tanta gente. Será que não tinha tanta gente assim? Não apareceu cocaína, só apareceu maconha; os fuzis que aparecem são meio velhos, não são tantos quanto diziam, as pessoas não aparecem. O que aconteceu ali? Eu não sei responder agora, estou procurando saber – por isso eu não gosto de falar no fogo dos acontecimentos porque o importante é reunir elementos para pensar profundamente. Por trás do Tropa de Elite 1 e 2, há aquele discursinho politicamente correto, o novo inimigo, mas no paradigma bélico o importante é ter sempre um inimigo. Embora as intenções do livro e do filme sejam boas, o sucesso dele mesmo são as cenas de tortura, que é quando o público vai ao delírio, e por isso é perverso porque é muito enganador. E o filme foi construído por um sociólogo e por um ex-Bope. O Zaffaroni, que é um dos maiores pensadores sobre esta questão na América Latina, diz o seguinte: para haver o genocídio sempre precisa ter um discurso legitimante. Na minha tese de doutorado O Medo na cidade do Rio de Janeiro, eu fiz um trabalho sobre o medo no Rio no século XIX e no século XX. Lá eu digo que o medo acua as pessoas. Na saída da ditadura, por exemplo, nós tínhamos uma resistência muito maior à truculência policial, e hoje ela é considerada heróica, é aplaudida. E se formos olhar tecnicamente e militarmente, há um uso desproporcional de força, uma porção de erros táticos e técnicos e aí temos que analisar com calma.

O que vem aparecendo na mídia com relação a esta situação do Rio é que a população do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro está aprovando as ações policiais. Isso tem acontecido de fato?


Até hoje eu não vi nenhum morador aplaudindo, eu só vejo a mídia dizendo isso. Você viu? Porque uma cartinha, até eu mando também dizendo isso. Eu duvido que os moradores do Alemão estejam gostando dos últimos dias.

Eu estudo esta questão de drogas há 20 anos, a polícia do Rio tem matado tanto e o mercado de drogas continua. No capitalismo, alguém irá tomar esse espaço e a pergunta é: quem? A partir da leitura da matéria da Folha de São Paulo de hoje (2/12), você começa a desconfiar de que já estão tomando. E agora colocamos as forças armadas também nisso, naquilo que o Darcy Ribeiro chamava de o moinho de gastar gente: vão botar o recruta e daqui a dez anos, o menino estará como? O Brasil, que está na guerra contra as drogas, é um dos poucos países do mundo onde o consumo de drogas aumentou. Isso não aconteceu com Portugal e Espanha, por exemplo, que descriminalizaram as drogas. Nós estamos pegando aqui a rapa das mercadorias da era Bush. No México, as forças armadas estão tomando uma corrida, porque eles conseguem fazer igual aos Estados Unidos fizeram no Afeganistão: ocupam, matam para caramba e aí? Como se faz para ficar? Ou as tropas são corrompidas ou é preciso ficar matando, matando e matando. Por exemplo, no Afeganistão, sob o regime talibã, a produção de drogas diminuiu, mas aumentou com a ocupação americana, o outro lugar foi a Colômbia, país também ocupado pelos Estados Unidos e onde a produção de drogas também aumentou. E o modelito aqui do Rio é todo copiado de lá, e tudo aparece assim como se fosse uma grande novidade.  Aí vem um monte de sociólogo, faz um quadrinho, mostra que está tudo integrado e tal. Mas apreensão de droga é agulha no palheiro. Talvez eles consigam mesmo destruir uma das chamadas facções, mas e as outras? Quem vai pegar? É um aprofundamento de uma linha burra e derrotada. Mas deve ter algum lucro. A guerra contra as drogas é fracassada em todos os objetivos que ela propôs – produção, comercialização, consumo, violência e corrupção policial – mas ela continua regendo há mais de 40 anos no mundo e no Brasil. Então, uma política com tantos fracassos deve ter alguma coisa por trás dela que é um sucesso. Na minha modesta opinião, é porque ela alimenta a indústria da guerra e do controle do crime.

E qual a relação do tráfico de drogas com o modo de produção capitalista? O capitalismo pode prescindir deste negócio neste momento?


O capitalismo e o mundo contemporâneo não podem prescindir das drogas de uma forma geral. Está todo mundo no Lexotan, no Prozac, no Valium [medicamentos], no wisky ou no quer que seja. Mas algumas substâncias foram demonizadas, estas não podem ser consumidas. E estas são as que causaram a guerra. Mas na história do capitalismo já houve uma guerra a favor do ópio, que foi da Inglaterra contra a China. Todas as civilizações sempre t suas substâncias para ajudar a transcender ou por rituais religiosos ou mesmo cotidianos. Os romanos tomavam vinho, os amazônicos tomam auaska, os rastafari maconha e por aí vai. E o ocidente cheira pó, toma calmante e estas drogas. Só que o mercado ilícito acaba ficando para os pobres, porque os nossos jovens [de classe média e ricos] vão trabalhar em bancos, em produtoras, em jornais, mas a mão de obra pobre é que vai se encarregar da parte barbarizada do mercado. Mas no capitalismo, mercado é mercado. A Folha de S. Paulo já diz hoje que tem milícia dentro do Alemão. Mas isso é tão obvio que iria acontecer! A cobertura Fox News da Globo não me convenceu, mas criou toda esta pedida de truculência. A capa da Veja era o Capitão Nascimento como herói nacional.  Você me perguntou sobre a adesão das classes populares a esta truculência e eu acho que tudo isso contribui para esta adesão. Mas também não ouviremos em lugar nenhum as pessoas que não aderem.

A senhora comentou sobre sua tese O medo na cidade do Rio de Janeiro, onde mostra como a criminalização da pobreza sempre foi um elemento da política de segurança da cidade. A criminalização do traficante hoje atua também como elemento de criminalização da favela?

A criminalização da pobreza sempre aconteceu. O Nilo Batista diz que o criminal é um fetiche para esconder a conflitividade social. Ao observarmos os crimes no século XIX, percebemos que eram todos crimes de escravo. O discurso é sempre o mesmo. Eu tenho isso no livro porque pesquisei os arquivos do século XIX e lá dizia: “magotes de negros armados pelos morros”. É igualzinho. O que muda é só o discurso, ou é porque é capoeira, ou quilombola, ou é sambista, ou funkeiro, ou é porque é traficante, entre aspas. Eu tive um aluno delegado [Orlando Zaccone] que escreveu um livro chamado Acionistas do nada. Quando dei a aula sobre drogas, ele falou que quando era delegado na Barra da Tijuca fez pouquíssimos registros de tráfico. Um tempo depois ele foi transferido para Jacarepaguá, onde tem muita favela, e aí ele viu que tinha dezenas de autuações por tráfico a cada dia em Jacarepaguá. Agora, me conte uma coisa: será que é porque não tem tráfico na Barra da Tijuca? Ou será que é porque a venda varejista de drogas na Barra é feita de uma maneira diferente? Eu não estou dizendo que quero fazer uma guerra contra a Barra da Tijuca, o que estou dizendo é que o tráfico está em todos os lugares, mas o tráfico do varejo pobre virou o inimigo nacional. Você passa nas ruas e os pobres também, os porteiros, estão todos dizendo: ‘é uma raça ruim, tem que matar’. Isso é fruto de uma educação. Ao ler as cartas dos leitores do Globo, se percebe qual é esse projeto educacional. Então, eu acho que andamos para trás, na saída da ditadura tínhamos muito mais resistência. Hoje eu vejo as pessoas de esquerda, inclusive, falando ainda sem nem ter conseguido avaliar o que está acontecendo. Eu ainda não estou entendendo direito o que está acontecendo, a grande vitória militar eu não vi.

A senhora disse que ao longo da história sempre houve um personagem criminalizado, o capoeira, o sambista, por exemplo. Mas o que determinou a construção do sujeito conhecido como traficante, alvo desta criminalização violenta por parte da polícia, mas também gerador de violência, o que, inclusive, serve para justificar também a truculência dos aparatos de repressão do estado?


Primeiro, eu acho que não se pode generalizar a categoria de traficante, assim também como eu acho que não se pode generalizar falando que a polícia é assim ou assado. Eu não conheço esses caras sobre os quais estão dizendo que são violentos, você sabe se eles realmente são? E eu não chamaria de traficantes, eu os chamo de comerciantes varejistas.

Mas existe uma diferença deste sujeito de agora para os outros sujeitos que a senhora comentou?


Eles eram demonizados da mesma forma. Existe essa coisa: o traficante é mal. Mas, gente, tem o indolador, de 14 anos, que é o menino que faz a embalagem, a mãe é passadeira, está fora o dia todo e o menino embala a droga. Nem todo mundo que trabalha nesse negócio barbarizado é bárbaro, mas ele vai se barbarizando por causa da guerra. Outro dia eu vi um filme lindo americano sobre um militar que o filho é morto na volta da guerra do Iraque. No início você pensa que ele é assassinado porque testemunhou horrores no Iraque. Mas no final você descobre que o menino virou um monstro, eu odeio usar esta palavra, uso entre aspas: o menino começa a gostar de matar. E então, a guerra faz isso. Eu acho que daqui a pouco nós vamos começar a ter esses psicopatas iguais aos psicopatas americanos, que só tem nos Estados Unidos, que é o cara que sai atirando em todo mundo, que são pessoas com transtornos decorrentes da guerra. O mercado varejista do capitalismo ilícito é bárbaro, o mercado bom ficará para os meus filhos, um é designer, o outro é advogado, o outro trabalha em banco, mas o filho da minha passadeira tem que se conformae com a bolsinha família, o salariozinho ruim, ficar direitinho, não se comportar mal com a polícia. Mas, mesmo assim, de vez em quando ele irá apanhar na cara, levar um tiro, alguém vai botar uma arma e um flagrante na mão dele. As pessoas vão se barbarizando: tem também uma educação para isso, que é a educação do esculacho, o menino pobre, negro, adolescente no Rio de Janeiro pode ser morto a qualquer momento e ser chamado de traficante.

E a perspectiva é de que esta política de segurança pública continue?


O discurso federal assustadoramente está sendo este, eu não esperava isso. Me considero uma pessoa triste porque pensava que isso teria um rumo diferente, mas eu vejo que é este lixo da era Bush que está sendo vendido para nós como tecnologia de segurança pública, armas, sentimentos de ódio, de truculência. Acho que estamos muito mal. A maneira de furar também é a de mídias como vocês, que têm uma capacidade de vazar informações e criar um público qualificado, porque a de massa fez uma educação sinistra nos últimos tempos.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/5258