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sábado, 23 de outubro de 2010

“Punir usuário de maconha não ajuda"

Consenso sobre a questão é um dos poucos alcançados por especialistas em debate sobre a droga na Folha
Psiquiatra contrário à legalização compara ideia de liberar uso a criação da Cracolândia; cientista defende erva
Fotos Daniel Marenco/Folhapress

Defensor do uso medicinal da maconha lê seu manifesto durante o debate na Folha

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA
É contraproducente e cruel punir usuários de maconha como se fossem criminosos, e falta uma distinção mais clara entre traficantes e simples consumidores da erva na legislação do país.
Esse talvez seja o único consenso entre especialistas reunidos ontem para discutir o tema em debate organizado pela Folha. Divididos entre defensores da legalização da venda da droga, do uso da maconha como remédio e da manutenção da proibição, os debatedores acabaram ficando entrincheirados.
Em parte, isso se deveu à plateia que lotou o auditório do jornal e, com frequência, interrompeu as falas com aplausos, vaias, gritos e xingamentos. “Pessoal, vamos deixar as pessoas se expressarem na inteireza de seus argumentos”, teve de pedir o jornalista Gilberto Dimenstein, colunista da Folha e moderador do debate.
Os membros da mesa, porém, também acabaram perdendo a paciência e partindo para o ataque em alguns momentos. A falta de acordo sobre a proporção real de usuários no mundo, ou sobre a gravidade dos efeitos da maconha quando comparada a drogas lícitas, como o álcool, ajudou a mostrar como o debate ainda é emocional.
Contrário à legalização, Ronaldo Laranjeira, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), disse que sua posição “era lógica do ponto de vista da saúde pública”.
“A experiência de legalização das drogas ilícitas está aqui perto da gente, é a Cracolândia”, ironizou, criticando o fato de que não há um movimento nacional para tentar controlar o uso do crack com a mesma expressão do que defende descriminalizar a maconha.
A jurista Maria Lúcia Karam, membro da ONG internacional Lead, favorável ao fim da proibição da venda de drogas, argumentou que a guerra contra substâncias ilícitas aumentou a violência e ainda fez baixar o preço delas mundo afora. “Legalizar é controlar os danos causados pela droga. As pessoas só morrem de overdose porque não sabem o que estão usando”, afirmou, sendo vaiada por membros da plateia.

VELHA AMIGA?
O neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e o biólogo Renato Malcher Lopes, da Universidade de Brasília, lembraram que há uma gama considerável de princípios ativos com potencial terapêutico na Cannabis. “Isso foi selecionado ao longo de 5.000 anos de uso”, disse Ribeiro.
Ele é favorável à legalização. “Algumas pessoas realmente precisam ser protegidas da maconha, como grávidas e jovens com cérebro em formação -assim como outras pessoas precisam ser protegidas do leite porque têm intolerância à lactose.”
Marcos Susskind, voluntário que trabalha com dependentes químicos da comunidade judaica, afirmou que, “na sua experiência”, o álcool é menos nocivo do que a maconha. Foi contestado pelos cientistas e se disse surpreso com as propriedades medicinais da maconha inalada, relatadas por Lopes.
FOCO

Estudante pede, “por Deus”, uso medicinal da “Cannabis”
DE SÃO PAULO
Em dado momento da palestra, um rapaz que se identificou como estudante de direito e que se referia a si mesmo como Timóteo Ganja deixou o auditório e foi para um banheiro ali perto. Voltou com um traje de andarilho e as mãos acorrentadas. Esperou o fim do debate para ler um manifesto pelo uso medicinal da maconha.
“Senhores, queremos pedir, por Deus, acima de tudo, compaixão para com esses pacientes terminais. Pessoas estão morrendo sem poder aliviar seu sofrimento”, leu.
Membros da plateia usavam camisetas do movimento Marcha da Maconha. Outro grupo trouxe panfletos explicando como o plantio da erva em casa podia combater o crime organizado. 

FONTE: Folha de S.Paulo – 23/10/2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Narcoterror - Opinião - Walter Hupsel

Por Walter Hupsel

Esqueçam, de uma vez por todas, a Colômbia e a Bolívia. Esqueçam os mitos dos Cartéis de Cali, Medellín e também as Farc. Hoje o narcotráfico chama atenção mais ao norte, no México, responsável por 90% da maconha e cocaína que entram nos Estado Unidos.

Desde que o México resolveu seguir a política de “guerra às drogas” idealizada pelos EUA, já morreram quase 30.000 pessoas, a imensa maioria inocente, como os dois brasileiros que cometeram um único delito: tentar adentrar ilegalmente no sonho americano.  Foram capturados na fronteira, junto com mais 70 imigrantes. Como não aceitaram trabalhar para o Cartel Los Zetas, foram executados.

Depois dessa carnificina o governo de Felipe Calderón resolveu agir sobre as forças policiais e afastou 3.200, cerca de 10% do efetivo, sob suspeita de corrupção ou associação ao tráfico. Outro dado estarrecedor é o sequestro de 10 mil pessoas nos últimos seis meses.  Sem contar os atentados a bomba contra alvos do Estado mexicano.

A violência do narcotráfico aterroriza e toma o México de assalto. Não é nada difícil perceber a relação de causa e efeito. A violência é fruto direto da política de “guerra às drogas”, que legou mais dinheiro para os cartéis e promoveu mais mortes.

Parece haver uma constante nesta equação: quanto mais “guerra”, mais enfrentamento, que leva a mais armas nas mãos do tráfico, significando mais violência, ou seja, mais mortes. E tudo é consequência da ilegalidade, lá, aqui ou no Afeganistão.

Quando temos um problema, uma disputa, um caso controverso, nós procuramos um árbitro que possa decidir a questão, um juiz tendencialmente neutro que diga de que lado está a razão, quem tem direito ou não.

Imagine que você compre um produto e não pague as prestações do seu carnê. O que acontece? Seu nome vai parar no Serasa, você fica sem crédito na praça, e o seu credor pode pedir a execução judicial de seus bens para quitar a dívida.

Quando um comerciante vende uma mercadoria ilegal ele não pode, obviamente,  recorrer a um juiz para processar um consumidor, para ter a dívida quitada. Ao mesmo tempo, o vendedor, querendo manter seu negócio, tem que agir de modo a impedir que outras pessoas sigam o exemplo do devedor e passem também a não pagar pela mercadoria comprada. Assim, o narcotraficante tem que desestimular a conduta do “comprar e não pagar”. O que ele pode fazer exceto coagir, e, em última instância, assassinar o comprador?

De mesmo modo, para expandir seu mercado, conquistar mais clientes num mercado ilegal, ele pode proceder de duas maneiras. Ou aumenta a qualidade do seu produto ou tenta tomar, geograficamente, a “vendinha” do outro comerciante. A primeira opção é quase que inviável já que não tem nenhum órgão ou Inmetro que ateste o grau de pureza de uma droga. Assim sendo, como empresário racional que é, visando aumentar seus lucros,  ele busca o único caminho aberto e toma-o à força, na bala.

A proibição também afeta, sobremaneira, as forças de segurança, principalmente a polícia. Na ilegalidade, o traficante precisa se proteger para sobreviver. A proteção incluí a corrupção da polícia, para que não ameace o andamento dos seus negócios. Muito dinheiro envolvido, corrupção, achaque, compra de juízes. Ele quer se manter fora do alcance das forças repressivas, e a melhor maneira de conseguir isso é justamente se imiscuir, criando uma relação de simbiose.

Há também uma relação quase que de necessidade entre o tráfico de drogas e o de armas. Pelos motivos acima expostos podemos perceber que se a proibição gera e estimula esses comportamentos, os chefes do tráfico precisam de armamentos pesadíssimos, de alto poder de destruição, seja para tomar um ponto de venda, seja para atirar de cima de um morro contra a polícia, que atira de volta, sem muita mira e precisão, o que acarreta as nossas mundialmente famosas “balas perdidas”.

Quem sofre com isso? A população indefesa, pega no fogo cruzado entre rifles e pistolas. A população indefesa, que tem que proteger o traficante sob pena de ser réu numa justiça paralela, que é a única que o tráfico conhece.

E, só para mencionar, forma-se ainda uma extensa rede de lavagem de dinheiro do tráfico, bancos e paraísos off-shores que se prestam a esquentar, legalizar o dinheiro obtido ilegalmente. Mas ninguém, por mais puritano e proibicionista que seja, pensa em invadir a Suíça em nome da “guerra às drogas”.

Nem mesmo coagi-la a abrir suas contas. A Suíça é, desde 2002, signatária da ONU. Alguém levantou a voz para que fosse votada alguma sanção a este paraíso fiscal, de lavagem de dinheiro? Não! O capital gerado pelo comércio de armas, drogas, tem livre circulação no mundo, e é bem vindo e estimulado em diversos países… mas é muito mais fácil culpabilizar o consumidor!

Defender a liberação das drogas é, pra mim, um dever ético, ao mesmo tempo que se presta a uma lógica utilitarista. Não sei se a liberação resolveria problemas da violência, mas, com certeza, a proibição a estimula.

O México prova isso. Os morros cariocas também. As vítimas somos nós, baixas colaterais no meio de uma guerra que não terá fim, não, ao menos, enquanto essa política continuar. Afinal, diria Clausewitz, guerra é a política continuada por outros meios.



FONTE: http://colunistas.yahoo.net/posts/4852.html

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Lobby da proibição - Folha de São Paulo - 07/09/2010

# Texto enviado pelo Sidarta Ribeiro, que fora publicado no dia 7 de setembro de 2010, na Folha de São Paulo.


Lobby da proibição

JOÃO R. L. MENEZES, SIDARTA RIBEIRO, STEVENS K. REHEN e JULIANA PIMENTA

Organizações realmente compromissadas com a saúde clamam pelo fim da guerra às drogas e por uma política de legalização bem informada


Causa perplexidade o artigo de Ronaldo Laranjeira e Ana Petta Marques ("Lobby da maconha", 20/8) em que, a pretexto de rebater críticas a texto anterior que demonizava a maconha, empregam a falácia do argumento "ad hominem".
Atacam as pessoas, e não o conteúdo. Eles nos chamam de "lobistas da maconha, travestidos de neurocientistas e fiéis de uma seita", mas em nenhum momento respondem às críticas diretamente.

Lobista é quem recebe vantagens para defender uma causa. Seita é uma doutrina usualmente dogmática. Somos médicos e biólogos com mestrado, doutorado e pós-doutorado, com pesquisa reconhecida internacionalmente. Agimos em defesa da racionalidade.

Ao citar o livro "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate", Laranjeira e Petta não explicam por que citam apenas os efeitos negativos da maconha sem incluir a conclusão mais importante do livro: estes efeitos não justificam a proibição.

Mentem sobre a inexistência de estudos demonstrando efeitos terapêuticos da maconha e combatem a criação de uma agência de pesquisa e regulamentação da maconha medicinal, exigência de tratados internacionais.

Defendem com tanto ardor a política dos EUA de guerra às drogas que esquecem que a "Food and Drug Administration" (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA) não é brasileira e que não tem nem deve ter ingerência na política nacional. A dipirona, por exemplo, é legal no Brasil e na Europa, mas não nos EUA.

Enganam ao afirmar que a maconha já foi descriminalizada no Brasil e que isto teria aumentado o número de usuários. A lei nº 11.343 não descriminalizou o uso; ao contrário, aumentou a repressão ao tráfico com penas mais duras e deixou o consumidor na frágil posição de depender da decisão de um juiz quanto a ser usuário ou traficante.

O relatório da ONU de 2010 não aponta aumento do uso de maconha no Brasil desde a promulgação da lei. Mesmo que algum levantamento indicasse aumento, isto poderia se dever à política proibicionista em vigor, não o contrário.

Laranjeira e Petta iludem o público leigo e omitem o poderoso lobby da proibição que integram.
Espanta o discurso totalitário de quem se imagina porta-voz do povo brasileiro. Um de seus argumentos mais perniciosos é o ataque ao uso da maconha como terapia de substituição para o crack, apesar de sua eficácia nos poucos estudos disponíveis. Infelizmente, a realização de novos estudos esbarra na intransigência dos proibicionistas.

Enquanto propagam falácias, milhares de pacientes que poderiam se beneficiar da maconha são dela privados. Outros tantos com problemas de abuso químico se afastam do tratamento por medo da repressão. No fim, somos todos atingidos pela violência da guerra.

Organizações verdadeiramente compromissadas com a saúde, como as que firmaram a Declaração de Viena (www.viennadeclaration.com), clamam pelo fim da guerra às drogas e pela legalização regulamentada e bem informada.

A declaração foi assinada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e César Gaviria, que têm alertado para a metástase do narcotráfico. Serão todos lobistas de alguma seita?

Enquanto persistirem argumentos simplórios, como "a maconha faz mal" ou a utopia moralista de um mundo sem drogas, retarda-se a discussão sobre uma política racional de drogas. A legalização da maconha não vai sanar os problemas imediatamente, mas é remédio eficaz e a sociedade precisa se preparar para isso.

O resto é cortina de fumaça, como demonstra o filme de Rodrigo Mac Niven (www.cortinadefumaca.com). A palavra iatrogenia designa os males vindos do tratamento médico. Com relação à maconha, a sociedade precisa decidir: o que é mais iatrogênico, tosse ou tiroteio?


JOÃO R. L. MENEZES é professor-adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do simpósio sobre drogas da Reunião SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) 2010.
SIDARTA RIBEIRO é professor titular de neurociências da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
STEVENS K. REHEN é professor-adjunto da UFRJ.
JULIANA PIMENTA é psiquiatra da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br