quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Afinal, qual é a das UPPs?", por Luiz Antônio Machado da Silva


No sítio do Observatório das Metrópoles é possível encontrar a análise feita pelo professor da IUPERJ, Luiz Antônio Machado da Silva, sobre a instalação das UPPs na cidade do Rio de Janeiro. O artigo é março/2010.

http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/artigo_machado_UPPs.pdf - "Afinal, qual é a das UPPs?", por Luiz Antônio Machado da Silva

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Breve análise do Cortina de Fumaça

Rodrigo Mac Niven, diretor do documentário "Cortina de Fumaça", no Festival Internacional de Cinema do RJ

O documentário “Cortina de Fumaça”, de Rodrigo Mac Niven, lançado no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro no dia 24.09, abrindo a sessão Midnight Movies, no cinema Odeon, é de uma relevância inquestionável. Trata-se do primeiro documentário brasileiro que coloca questionamentos acerca do proibicionismo existente no que se refere à questão das drogas, atribuindo atenção especial ao Rio de Janeiro devido ao fato de que a latência dos problemas gerados pelo mercado paralelo do tráfico de drogas nesta cidade é de forte intensidade.

As informações apresentadas no decorrer da película por médicos, policiais, pesquisadores e militantes políticos, brasileiros e estrangeiros, demonstra que há uma “cortina de fumaça” que impede que a sociedade visualize o real problema existente no que se refere à política da guerra às drogas.

O mapeamento da geopolítica das drogas no mundo coloca os EUA em mais uma posição de interventor, e que utilizou a justificativa de combate aos entorpecentes para militarizar os países, e expandir seu raio de ação imperialista principalmente na América Latina. Isso se reflete nos constantes ataques deste para erradicar plantações de coca na Bolívia e Peru, que utilizam esta planta como parte da cultura milenar dos povos andinos. O mais interessante é o levantamento histórico feito pelos pesquisadores, em especial do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, da USP, demonstrando que o uso da maconha por minorias étnicas nos EUA fora motivo de aumento de criminalizar essas populações devido à tradição preconceituosa, racista e xenófoba existente neste país, acusando-os de serem responsáveis pelo aumento da violência contra indivíduos brancos e ricos.

A abordagem feita no documentário que implica uma orientação do saber clínico demonstra a resistência que a medicina tradicional impõe no que se refere ao uso da maconha em tratamentos de pessoas com doenças como a Aids, câncer, em casos de dores crônicas, e como o proibicionismo, em sua mais radical postura, impede que se avance nas pesquisas desta natureza.Tudo isto devido ao fato de que a indústria fármaco-química iria despencar em seus lucros, uma vez que o remédio natural pode ser plantando dentro de casa em jardins. Além disso, desmistifica toda a lenda criada em torno de que a cannabis destrói neurônios, provoca perda de memória, que deixa o indivíduo usuário agressivo, dentre outras formas de se demonizar a maconha.

Todo o brilhantismo do documentário se completa com os depoimentos de indivíduos que fazem uso da maconha medicinal, dos cultivadores de maconha, das feiras de cultura cannábica que existem em países como o Canadá, e a postura de grandes intelectuais se colocando a favor de uma revisão e na conseqüente modificação radical na política de drogas vigente na maioria dos países do mundo.

Uma crítica que pode-se atribuir ao filme é a presença de uma citação do economista norte-americano, Milton Friedman, um dos teóricos da doutrina neoliberal, e que foi aplicada pelo presidente Ronald Reagan, em 1989, nos EUA, e sob a égide deste pensamento desenvolveu-se a política de guerra às drogas com suas infinitas conseqüências sociais, econômicas e políticas. A participação do Fernando Henrique Cardoso e do Fernando Gabeira também são alvos da crítica. Isto se deve ao fato de que o ex-presidente da república, durante seus 8 anos de mandato, aplicou o mesmo receituário neoliberal, ampliando a militarização no tratamento das questões que envolvem as drogas sendo possível visualizar a maios repressão aos usuários e a constatação de uma guerra falida, e o Gabeira que, negando sua militância política pela legalização da maconha, ultimamente tem se colocado contra esta mudança legislativa, talvez devido a sua candidatura ao governo do estado do Rio de Janeiro e o possível desapontamento que esta postura legalista poderia causar aos seus eleitores. Apesar de todos estes serem grandes intelectuais e se colocarem (pelo menos o FHC e o Milton Friedman) em favor de uma política pública legalista, não dá para abolir da história o que fora feito por estes e o que protagonizaram no cenário político brasileiro e mundial. Há vários outros nomes da política nacional, assim como teóricos ao redor do mundo, que poderiam ter sido entrevistados ou citados em lugar destes acima descritos.

Porém, não torna diminuto de forma alguma o conteúdo do filme. Muito ao contrário, podemos considerá-lo um marco cinematográfico brasileiro e que servirá como um instrumento com uma discussão de alto nível para esclarecimento da sociedade, na luta pela legalização das drogas, em particular a cannabis, e as políticas públicas voltadas para o atendimento das questões que envolvem substâncias psicoativas. Infelizmente, é sabido que este tipo de informação não é expandida para a maioria da população, ficando restrito a um grupo que não é maioria e que não é hegemônico. Este documentário foi realizado sem nenhum patrocínio e/ou apoio de leis de incentivo à cultura, mas  filmes assim é que são as melhores produções.

Na Confraria do cinema pode-se ler outra crítica do filme ~> http://www.confrariadecinema.com.br/filme.jsp?id=2346

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Entrevista exclusiva com diretor do filme Cortina de fumaça - pelo Coletivo DAR/SP

Produzido de forma totalmente independente, o documentário Cortina de fumaça foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, e terá sua primeira exibição pública no dia 24, à meia noite. O DAR conversou com exclusivdade com Rodrigo Mac Niven, diretor deste filme que têm muito o que dizer. 

DAR – Pra começar gostaríamos que contasse um pouco de sua trajetória e de onde surgiu a ideia para fazer o documentário. 

RODRIGO MAC NIVEN: Sou jornalista, também fiz cinema e sempre fui ligado ao audiovisual. Ainda na faculdade de jornalismo já trabalhava em produtoras como cinegrafista, editor e finalizador de programas de TV. Há 5 anos abri minha própria produtora para poder desenvolver livremente projetos que me interessam. A idéia de fazer o documentário surgiu, lá no início, da leitura de um livro do jornalista Denis Russo; MACONHA, de uma coleção da Superinteressante. Me surpreendi com a leitura e comecei a pesquisar mais sobre o assunto. Fui fundo e não parei mais. Posso dizer que nesse caso, a maconha foi a porta de entrada para entender a complexa questão das drogas em todos os seus aspectos.

DAR – Como foi o processo de produção, captação de recursos, etc?

MAC NIVEN: Não houve qualquer captação de recursos. O documentário é resultado direto da minha inquietação. Fiz toda a produção de uma forma muito livre. Entrei em contato diretamente com todos os entrevistados. Claro que tive ajuda de muita gente, não se faz nada sozinho. Mas as viagens pra fora do Brasil fiz totalmente só. Eu e minha câmera. Eu queria conversar pessoalmente com essas pessoas.

DAR – Por que a escolha do título? Acredita que este debate ainda não é feito de forma aberta no Brasil?

MAC NIVEN: O título é explicado ao longo do filme. Prefiro que as pessoas assistam para pescar a mensagem. Acredito que o debate é raso porque as pessoas estão desinformadas. Elas não receberam e não recebem informação honesta e científica sobre esse tema. As discussões se perdem na superfície moralista das questões… aí não se consegue andar.

DAR – Na divulgação vocês utilizam a frase “vocês precisam ouvir o que eles têm para dizer”, o que de importante você acredita que seu filme tem para dizer?

MAC NIVEN: O filme é uma coletânea de depoimentos que contam parte de uma história muito complicada e polêmica que é a política de drogas. Essa história é reveladora, pelo menos foi pra mim. Acredito que também será para muita gente. Digo reveladora porque coloca na mesa de discussão fatos e argumentos pouco conhecidos pelo grande público, em geral preconceituoso e desinformado. Essas pessoas com as quais conversei já questionam a política proibicionista há muito tempo e só agora poderemos ver e ouvir na tela grande essas argumentações. O filme fala sobre vários aspectos dessa discussão mas se eu tivesse que definir o que de mais importante o filme tem pra dizer, diria que é a urgência de repensarmos nossa sociedade. As dinâmicas sociais mudam constantemente e precisamos que nossas idéias acompanhem essa transformação. Isso vale para tudo na sociedade. O doc pega essa idéia e aplica na discussão da política proibicionista de drogas.

DAR- Como espera que será a recepção do público? A divulgação será feita toda de forma independente?

MAC NIVEN: Sinceramente não sei. O tema é difícil e confesso que o doc tem alguns depoimentos bem fortes que podem incomodar algumas pessoas menos abertas a novas perspectivas. Como falei, o tema é delicado, envolto por camadas morais e principalmente por muita desinformação. A divulgação foi feita totalmente independente através das redes sociais e email. O que vai acontecer, agora que estamos no Festival Internacional do Rio, eu não sei.

DAR – Qual entrevista te marcou mais? Por quê? E qual foi a mais difícil de conseguir?

MAC NIVEN: Difícil dizer… mesmo. Conversei com pessoas muito inteligentes e competentes no que fazem. Cada entrevista … muitas descobertas. Foi realmente um prazer enorme conhecer essas pessoas e ter o privilégio de conversar com elas. Tive a sorte de conseguir falar com todo mundo que queria sem grandes dificuldades. É preciso ter paciência e persistência. Com esses dois Ps se consegue quase tudo.

DAR - Você tem medo de sofrer algum tipo de represália da justiça por conta do filme? Por exemplo alguma acusação de apologia?

MAC NIVEN: Já pensei sobre isso… lá no início do processo de montagem. Mas não penso mais nisso porque o filme não faz apologia, o filme mostra depoimentos de pessoas sérias, gabaritadas no que fazem e que não estão brincando. Pessoas que estão pensando a nossa sociedade de forma honesta, humana e mais tolerante. Não é isso que todos queremos? Então não tem apologia, tem ciência, discussão honesta, argumentos.

DAR – Você acredita que neste momento é possível identificar um ascenso do debate sobre drogas, nacional e internacionalmente? Por quê?

MAC NIVEN: Sem dúvida. Só do “Cortina de Fumaça” estar num Festival Internacional de Cinema, que é o mais importante da América Latina, abrindo uma das mostras mais tradicionais… já diz que a sociedade brasileira está se abrindo. Lentamente, mas está. No Brasil ainda estamos bem atrasados… fui em um congressos nos EUA e já tem projetos bem ousados de legalização das drogas… aqui ainda estamos iniciando as discussões sobre uso medicinal da maconha. Na Califórnia essa discussão já foi… há tempos… aliás o doc fala sobre isso. Visitei os dispensários de Oakland, na Califórnia. Já melhorou muito, mas ainda temos, principalmente no Brasil, que quebrar muitos “pré-conceitos”, e isso acho que é o mais difícil.

DAR – Por fim, gostaria que apontasse qual sua opinião pessoal sobre o melhor modelo social de se lidar com as drogas hoje ilícitas. 

MAC NIVEN: Não sou especialista no assunto, sou documentarista. Claro que posso dar minha opinião e hoje tenho muito mais informação do que tinha há dois anos atrás, quando comecei essa empreitada do filme. Pra mim, está claro que legalização é a melhor opção. Por uma questão de princípios e por uma questão de bom senso.
Lembrando que legalização não é o que muitos pensam, principalmente os que são radicalmente contra. Legalizar é colocar dentro da lei, é regulamentar, como são quase todas as atividades que envolvem compra e venda. Legalizar é determinar como o mercado será estruturado. Da mesma forma que existe o mercado de bebidas alcoólicas, do cigarro, etc. Sei que isso não é simples de se fazer da noite para o dia, mas essa deveria ser a meta. Que a discussão da maconha abra esse caminho, mas acho que a distinção entre drogas lícitas e ilícitas foi uma invenção desastrosa que beneficiou e beneficia determinados grupos… mas essa é uma discussão muito mais profunda.

FONTE: http://coletivodar.wordpress.com/2010/09/14/entrevista-exclusiva-com-diretor-do-filme-cortina-de-fumaca/

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Em favor da folha de Coca - por Johanna Levy




Interessante matéria publicada em 2008 no Le Monde diplomatique Brasil sobre a questão da proibição da folha da Coca, por Johanna Levy - (26/05/2008)

Ligada à cultura ancestral dos povos andinos e consumida há milênios, ela tem propriedades alimentares e farmacêuticas reconhecidas em inúmeros estudos científicos. Mas o preconceito, as politicas toscas de combate às drogas e as pressões dos EUA querem mantê-la proibida
“Quantas plantas você conhece que fornecem mais cálcio que o leite, mais ferro que o espinafre e tanto fósforo quanto o peixe?”. A provocação da agricultora boliviana Nieves Mamani não é à toa: trata-se de mais uma tentativa de valorizar a coca, sua principal fonte de subsistência. Como centenas de milhares de camponeses andinos ela encontrou nesse cultivo, ilegal em boa parte do planeta, uma alternativa ao desemprego e à falta de competitividade das demais culturas agrícolas. “Nossa esperança é que a coca possa ser comercializada no mundo inteiro. Isso nos traria segurança econômica e a garantia de que nos livraríamos dos narcotraficantes”, insiste.

Porém, no último relatório do Órgão Internacional de Controle dos Estupefacientes (OICS), o produto foi mais uma vez qualificado como “ilícito”. Novamente, conclamou-se “a Bolívia e o Peru a buscarem as modificações necessárias em sua legislação nacional para suprimir ou interditar as atividades contrárias à Convenção de 1961, tais como a mastigação da folha de coca ou a fabricação do mate de coca, além de outros produtos derivados da planta contendo alcalóides, tanto para consumo interno como para exportação” [1].

Para o governo de Evo Morales, a declaração foi um baque: desde sua chegada ao poder, em 2005, o presidente boliviano vem se empenhando em demonstrar à “comunidade internacional” que a folha de coca não é um estupefaciente. “Sem os Estados Unidos, a coca não seria associada à droga. É verdade que a cocaína pode ser extraída de suas folhas, mas, para tanto, é preciso misturá-las a 41 produtos químicos cujas licenças pertencem às empresas do Norte. Pagamos o preço de uma prática totalmente estranha à nossa cultura”, explicita o camponês Emilio Caero.

Planta sagrada dos Andes [2], a “mama coca” sofreu os revezes provocados pelo sucesso de suas muitas virtudes. Utilizada durante milênios pelas civilizações pré-incaicas e incaicas com finalidades religiosas e terapêuticas, a erythroxylon coca está inserida há séculos nas culturas amazônicas e guaranis, e desde então chama a atenção por seus efeitos energéticos. Tanto que os evangelizadores consideravam-na um produto do demônio, motivo de vários concílios realizados em Lima entre 1551 e 1772. Mas, como oferecia vantagens mercantis, ela conseguiu sobreviver às perseguições dos religiosos: uma vez mascada, multiplicava os rendimentos da mão-de-obra indígena nas minas. Sob a forma de infusão ou de mate, fez a fortuna de muitos conquistadores europeus muito antes de garantir os lucros da mais célebre bebida do mundo, a Coca-Cola! [3]

Utilizada como anestésico local em cirurgia oftalmológica e também para o tratamento de doenças como a tuberculose ou a asma, a cocaína foi um grande medicamento da farmacopéia moderna até 1923

Em 1858, suas propriedades anestésicas e analgésicas levaram-na ao pináculo da ciência médica com a descoberta da cocaína, que representa menos de 1% dos quatorze alcalóides que podem ser extraídos da folha da coca. Utilizada como anestésico local em cirurgia oftalmológica e também para o tratamento de doenças respiratórias, como a tuberculose ou a asma [4], ela foi um grande medicamento da farmacopéia moderna até 1923, quando o bioquímico alemão Richard Willstatter criou a molécula sintética.

A folha de coca perdeu então as graças do mundo ocidental. Pior ainda. Passou a ser considerada responsável pela dependência de milhões de consumidores no mundo inteiro. Por solicitação do representante peruano na Organização das Nações Unidas (ONU), em 1959 uma comissão efetuou uma visita relâmpago ao Peru e à Bolívia para “investigar os efeitos da mastigação da folha de coca e as possibilidades de limitar sua produção e controlar a distribuição”. Com uma agenda dessas, era óbvio que havia um pré-julgamento sobre efeitos nocivos da folha, tanto para o consumidor quanto para a nação produtora. Em conclusões apressadas, a comissão acusou a mastigação da coca de provocar má-nutrição e “efeitos indesejáveis de caráter intelectual e mental” [5] nas populações andinas.

A planta foi igualmente considerada responsável pela pobreza do subcontinente, pois se convencionou que seu consumo diminuía a capacidade de trabalho. O acculico (o ato de mascar a coca) continuou a ser qualificado como um “hábito”, mas em 1952 o Comitê de especialistas em fármaco-dependência da Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu que esta atitude tinha “todas as características da dependência e do vício” [6], definida como uma “forma de cocainomania” [7].

Assim, aos olhos da “comunidade internacional” os efeitos do uso da folha de coca foram assimilados àqueles produzidos pelo cloridrato de cocaína. Não demorou muito para que ela se tornasse alvo predileto de vigilância e controle. Em 1961, sob a pressão dos Estados Unidos, o maior país consumidor de cocaína no mundo [8], a folha da coca foi acrescentada ao repertório das “plantas psicotrópicas” pela Convenção Única sobre Estupefacientes e considerada capaz de produzir droga em estado vegetal.

De acordo com os pesquisadores do Transnational Institute, uma rede internacional de especialistas que analisam as políticas públicas globais contra as drogas, esse regime de controle “ultrapassa muito aquele que se aplica a inúmeras plantas psicoativas, várias delas mais propicias a alterar a consciência, como o kava-kava (piper methysticum), a kratom (mitragyna speciosa) e diferentes alucinógenos”.

Proscrita por todas as instâncias internacionais, a folha de coca teve sua produção, industrialização e comercialização proibidas desde então. Apenas o uso tradicional foi sancionado nos países em que existem provas de seu consumo ancestral – no caso, a Bolívia e o Peru. Dois atores de peso, entretanto, escaparam à regra comum e foram curiosamente protegidos: a Coca-Cola e a indústria farmacêutica americana, que produz cocaína para uso médico.

Abundante em sais minerais, fibras e vitaminas e pobre em calorias, a folha poderia figurar entre os melhores alimentos do mundo. Uma análise de três de seus alcalóides que permite adaptar-se à vida nas altitudes

Segundo o Transnational Institute, a folha de coca foi vítima de um duplo erro: por um lado, confundiram seus efeitos com os da cocaína; por outro, assimilaram-na à dependência física provocada pelas opiáceas. “Pode-se sempre argumentar que a coca foi penalizada porque dela deriva a cocaína. Mas o que dizer das diferentes espécies de efedra? Nenhuma delas é mencionada nas convenções internacionais, a despeito da efedrina ser a matéria-prima de um imenso mercado de anfetaminas. E o sassafrás, de cuja casca se extrai o safrole, base para a fabricação do ecstasy?” [9], questionam os especialistas do instituto.

Desde meados dos anos 1970, vários estudos vêm demonstrando que a folha de coca não é capaz de afetar o sistema nervoso [10]: a cocaína presente na folha seria inteiramente hidrolisada pelo sistema digestivo quando mastigada. Além disso, os benefícios do arbusto foram confirmados por análises científicas. Em 1975, pesquisadores da Universidade de Harvard comprovaram que o valor nutricional da folha de coca é comparável ao de certos alimentos como a quinoa, o amendoim, o trigo ou o milho. “Em termos nutricionais, não há diferença entre a utilização da coca e o consumo direto de comida”, afirmaram os autores da pesquisa [11].Abundante em sais minerais, fibras e vitaminas e pobre em calorias, a folha poderia figurar entre os melhores alimentos do mundo. Diretor do Instituto de Cultura Alimentar Andina do Peru, o Dr. Ciro Hurtado Fuentes [12] preconiza sua utilização sob a forma de farinha, produto capaz de combater a fome que ainda afeta 52,4 milhões de pessoas no subcontinente americano. Suas virtudes terapêuticas e farmacêuticas também são evidentes. Uma análise de três de seus alcalóides (cocaína, lisleinamilcocaína e translinalmilcocaína) realizada pelo Centro de Pesquisa Científica e Técnica Ultra-Mar (ORSTOM) [13] da França comprovou que a coca permite “adaptar-se à vida nas altitudes”, ao estimular a oxigenação, impedir a coagulação do sangue e regular o metabolismo da glucose [14].Mas os resultados das pesquisas conduzidas pelos laboratórios independentes foram sumariamente ignorados. As diferentes demandas de revisão do estatuto da folha de coca depositadas pelos governos boliviano e peruano foram derrotadas e a única avaliação realizada até hoje é o relatório de 1959, que continua a determinar o critério de referência das Nações Unidas!

É verdade que na década de 1990 foi possível vislumbrar um horizonte de esperança com o “Cocaína OMS/UNICRI”, um programa ambicioso lançado pela OMS em colaboração com o Instituto Inter-regional de Pesquisa das ONU sobre a Criminalidade e a Justiça (UNICRI). O projeto era o maior já desenvolvido sobre o tema: foram quatro anos de intensa investigação em 19 países dos cinco continentes, com 45 pesquisadores internacionais associados.

O relatório, que enfatiza os benefícios para a saúde humana do uso da folha de coca e preconiza a realização de novas pesquisas a respeito de suas propriedades terapêuticas, provocou furor na 48ª Assembléia Mundial da Saúde, reunida em Genebra em 1995. Neil Boyer, representante dos Estados Unidos, acusou o estudo de ser “uma defesa da cocaína por argumentar que a utilização da coca não produzia danos perceptíveis sobre a saúde física ou mental” de seus consumidores [15]. Boyer ameaçou suspender o apoio financeiro de seu governo ao projeto caso as conclusões apresentadas fossem oficialmente adotadas por aquela Assembléia. O relatório, é claro, foi enterrado rapidamente.
Para os países andinos, essa foi mais uma derrota com conseqüências funestas. Assim, s década de 1990 foi marcada pela aplicação de políticas de erradicação do plantio das mais repressivas. Em 1998, a Assembléia Geral das ONU reuniu-se com o objetivo de endurecer a “guerra contra as drogas”. Sob a pressão de Washington, validou o “Plano Dignidade”, destinado à Bolívia, que visava à erradicação forçada e sem compensação das lavouras de coca. No mesmo ano, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o “projeto de eliminação da droga no hemisfério ocidental”, que incluía um orçamento de 23 milhões de dólares para melhorar a eficácia dos herbicidas, além de helicópteros e diversos treinamentos militares no “Plano Colômbia”. Novos micro-herbicidas foram testados na região, malgrado seus riscos para o meio ambiente e a saúde humana.

Durante esse período os enfrentamentos tornaram-se cotidianos na Bolívia, onde não se distinguia o traficante de cocaína do camponês. Entre 1998 e 2002, contaram-se 33 mortos, 567 feridos e 693 detidos do lado dos cocaleros, enquanto as fileiras das forças armadas anunciavam 27 mortos e 135 feridos [16]. “Kawsachun coca, wanuchun yanquis!” (“Viva a coca, fora os ianques!”), tornou-se o grito de guerra dos pequenos produtores.

“A democracia para nós era só um regime totalitário disfarçado atrás de uma fachada democrática”, lembra Nieves Mamani. “Fomos massacrados, torturados, presos. Dividindo-nos, pensavam que nos enfraqueceriam. Na realidade, foi o contrário”. Sem produzir impacto algum sobre o mercado mundial da cocaína, esta estratégia de luta contra o narcotráfico acelerou a construção da mais poderosa organização sindical do país, que reúne as seis federações cocaleras do Trópico de Cochabamba. Em 2005, o movimento conduziu seu dirigente, Evo Morales, à presidência. Eleito com 53,7% dos votos, tornou-se o primeiro presidente cocalero da Bolívia e do mundo. É sobre ele que repousa hoje a árdua tarefa de convencer as Nações Unidas a revisarem o estatuto da folha verde dos Andes.
O “Projeto Cocaína OMS/UNICRI” continua presente na memória de todos. Mas convencer os americanos da validade da estratégia de Morales não será fácil. Para Jorge Alvarado, responsável pela missão diplomática boliviana na Venezuela, a explicação é simples: “manter a exigência de redução das áreas de cultura da coca e considerar que nosso governo auxilia a produção de estupefacientes permite aos Estados Unidos continuarem intervindo em nossos assuntos internos”.
É o que basta para perpetuar o equívoco que durante meio século provocou graves entraves aos direitos dos povos originários da Abya Yala [17], com o apoio implícito da OMS e da “comunidade internacional”.


[1] Disponível aqui
[2] A cultura da coca concentra-se essencialmente em três países andinos: a Colômbia, que representa 50% das superfícies cultivadas, com 78 mil hectares; o Peru, 33%; e a Bolívia, 17% (OICS, 2007).
[3] Até 1903, com a primeira lei americana de controle de drogas e alimentos (Pure and Food Drug Act), a Coca-Cola incluía pequenas quantidades de cocaína em sua bebida. Depois dessa data, a cocaína foi substituída pela cafeína, conservando, porém, todos os demais alcalóides da coca.
[4] Outros, notadamente Sigmund Freud, farão uso da cocaína também por suas virtudes afrodisíacas.
[5] Trechos do relatório podem ser lidos no site da UNODC
[6] OMS, Tecnical Report Series 57, março 1952
[7] OMS, Tecnical Report Series 76, março 1954.
[8] Segundo o relatório do OICS de 1º de março de 2006, aproximadamente 13 milhões de pessoas no mundo consomem a droga. Na América do Norte, a cocaína ocupa o segundo posto no ranking, com 2,3 milhões de consumidores.
[9] Drogas y conflicto, Transnational Institute, Amsterdã, maio de 2006.
[10] Ver Plowman T. e Weil A., “Coca Pests and Pesticides”, J. Ethnopharmacol, 1979; Llosa T., Coca Medica, Lima, 2006.
[11] Duke, Aulik e Plowman, “Nutritional Value of Coca”, Botanical Museum Leaflets, Harvard University Press, 1975.
[12] Ciro Hurtado Fuentes, “Harina de coca: solución prodigiosa del hambre-malnutrición en el Peru y países andinos”, Lima, INCAA, 2005.
[13] Atual Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD).
[14] Caceres, Favier e Guillon, “Coca chewing for exercise: hormonal and metabolic responses of nonhabitual chewers”, Journal of Applied Physiology, novembro de 1996.
[15] “Forty-eight World Health Assembly, Summary Records and Reports of Committees”, Genebra, 1 a 12 de maio 1995.
[16] CONALTID, “Estrategia de Lucha contra el Narcotráfico y Revalorización de la Hoja de Coca”, 2007-2010, La Paz, dezembro de 2006.
[17] Nome com que as etnias Kuna do Panamá e da Colômbia designavam o continente americano antes da chegada de Cristóvão Colombo. Significa “terra viva”, “terra próspera” ou “terra feliz”.



FONTE: http://diplo.org.br/2008-05,a2390

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

"Cortina de Fumaça" no FestRio2010 - EXIBIÇÕES



O documentário Cortina de Fumaça foi selecionado para ser exibido no Festival Internacional de Cinema do Rio 2010, maior festival da América Latina que recebe anualmente cobertura maciça da mídia brasileira e sul-americana.Abrimos, no dia 24 de agosto (sexta à meia-noite), a Mostra Internacional Midnight Movies, uma da...s mais tradicionais e interessantes do Festival com filmes ditos "ecléticos e transgressores".Além do dia 24, duas outras exibições (sem data ainda) acontecerão durante o Festival, que vai do dia 23 de setembro a 7 de outubro.O Festival Internacional de Cinema do Rio é só o começo.O novo site já está no ar com muito mais conteúdo sobre o filme.

www.cortinadefumaca.com

Fonte: Facebook - Coletivo Projects ~> http://www.facebook.com/#!/pages/COLETIVO-Projects/116214005092611

domingo, 12 de setembro de 2010

Neurocientista defende uso medicinal da maconha em livro

Entrevista realizada por Tahiane Macêdo e Ingrid de Andrade, estudantes de graduação do curso de Comunicação Social da UFRN, com o neurocientista Sidarta Ribeiro.





 
Sidarta Ribeiro explica como a droga ilegal mais consumida no mundo sai da posição de vilã para promessa da medicina e da neurociência
Sidarta Ribeiro é mais jovem do que se espera de alguém com um currículo acadêmico tão extenso. Com 40 anos é doutor em Neurociências pela Universidade Rockfeller (EUA,2000). Concluiu o Pós-doutorado pela Universidade Duke (EUA) em 2005, ano em que regressou ao Brasil como diretor de Pesquisas Científicas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IIN-ELS). É ainda professor colaborador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pesquisador do Instituo de Ensino e Pesquisas do Hospital Sírio Libanês, e Pesquisador-colaborador da Duke University. Escreveu em co-autoria com Renato Malcher-Lopes o livro “Maconha, cérebro e Saúde”, onde descreve as propriedades medicinais, desmistifica e esclarece mitos sobre os efeitos psicológicos e comportamentais da maconha.
No livro você diz que “a maconha representa uma das mais promissoras fronteiras no desenvolvimento da neurobiologia e da medicina”. Qual é a sua importância científica?
A maconha tem mais de 70 substâncias diferentes, com ação psicoativa. Essas substâncias são pouco conhecidas, mas tem efeitos terapêuticos. Quanto mais a conhecemos mais vemos que ela tem efeitos terapêuticos. Do ponto de vista da medicina ela pode ser fonte de muitos remédios diferentes, e uma fonte barata. Do ponto de vista da neurociência, ela é, certamente, fonte de problemas científicos. O que cada uma dessas 70 substâncias fazem no hipocampo, no córtex, no cerebelo, no tálamo? E não é por acaso. A maconha foi selecionada ao longo do tempo para ter propriedades medicinais. Foi usada pelos xamãs do passado porque não existiam antibióticos, antidepressivos, ou analgésicos. Existiam as plantas e essas plantas “sagradas” foram selecionadas para terem propriedades medicinais. A maconha é só mais um caso.
Que barreiras a ilegalidade da planta impõe às pesquisas científicas?
Muitas. É muito difícil fazer esse tipo de pesquisa. Tem empresas nos Estados Unidos que vendem análogos químicos de substâncias encontradas na maconha, mas no Brasil não é possível comprar essas substâncias. Algumas pessoas conseguem, mas com autorizações muito especiais, é uma coisa complicada. No livro eu cito alguns pesquisadores que tem uma tradição no Brasil, porém são poucos nomes.
O livro fala da descoberta de moléculas receptoras as quais o THC se liga, tanto no cérebro quanto nos principais sistemas periféricos do organismo, formando um sistema conhecido como endocanabinóide. Como funciona esse sistema?
Os receptores para os canabinóides estão no cérebro inteiro, principalmente em regiões de memória, regiões de equilíbrio de coordenação motora. São lipídios que são sintetizados na membrana e tem efeitos no neurônio pré-sináptico, que nós chamamos de efeito retrógrado.
Como a cannabis atua nesse sistema?
Ela atua nos receptores canabinóides ativando os receptores CB1. Onde houver receptor haverá efeito. A maconha tem 70 canabinóides, é um coquetel de compostos. Alguns ativam os receptores, outros não.
Que tipos de doenças podem ser tratadas com maconha?
Vários tipos de doenças diferentes, mas é uma pesquisa que ainda está em execução. O que está bastante claro é o caso do glaucoma que é o tratamento por diminuição da pressão intra-ocular, como ansiolítico, é evidentemente eficaz, e no caso dos sintomas do câncer.
Contrariando o argumento de que ela causa câncer, no livro você fala da ação antitumoral da planta. Como isso funciona?
Não existe nada comprovando cientificamente que maconha causa câncer. Tabagismo causa câncer. Talvez o seu principal problema seja o tabagismo. Mas ela não necessariamente precisa ser fumada. Se fosse legalizada, poderiam existir produtos disponíveis, que não agridem a saúde. Essa história do câncer começou nos anos 60. Havia toda uma tentativa de dizer que maconha era muito ruim, então essas pesquisas eram financiadas já com o resultado embutido. Existem algumas pesquisas desse período que dizem que ela causa câncer. Os dados citados no livro são do instituto nacional do câncer dos EUA. Após 13 semanas [de experiências com THC em ratos] eles não associaram nenhum efeito patológico ao THC. Inclusive os animais sobreviveram mais e houve uma redução dos tumores nesse estudo em particular. É claro, que tudo isso depende da dose.
Quanto seria uma dose moderada?
Não me arrisco a dizer. Não posso dizer o que é uma dose segura, até porque é uma droga ilegal e ainda está em discussão na sociedade se pode, ou não, ser usada. O que eu posso afirmar é que não é uma droga que causa overdose. Outras drogas podem causar overdose, legais e ilegais. Toda a discussão do público deve passar por informações sobre as doses que causam diferentes efeitos.
Como ela funciona no tratamento de doenças crônicas como o glaucoma?
Estas doenças podem ser tratadas de várias maneiras. No caso do glaucoma, a maconha claramente diminui a pressão intra-ocular, então favorece o tratamento da doença. Por ter 70 substâncias psicoativas e bioativas diferentes, acaba sendo um remédio para muitos males diferentes. É possível que daqui a algum tempo, com o avanço das pesquisas, algumas substâncias possam ser isoladas. Mas isso não é de interesse da indústria farmacêutica, porque ela vende muito caro os remédios que patenteia e uma planta não pode ser patenteada.
O uso da maconha pode vir a substituir analgésicos, em alguns tratamentos, como o do câncer?
Maconha não é exatamente um analgésico, mas ela diminui bastante a ansiedade e torna a dor mais suportável. Para pacientes com câncer, por exemplo, ela pode ser muito útil. E ela é usada, nos Estados Unidos, legalmente para medicina, principalmente nesses casos, pois ela aumenta o apetite e diminui a ansiedade. Isso faz com que o paciente suporte melhor o tratamento. Nesse caso você não está tratando a causa da doença, está tratando os efeitos causados pelo tratamento. É muito importante, porque uma pessoa que está submetida à quimioterapia passa muito mal. Vomita, não quer se alimentar, fica deprimida. A maconha melhora esse perfil, tornando a pessoa mais insensível à dor e mais capaz de contemplar a vida, apesar do que está acontecendo.
O consumo in natura pode substituir remédios para ansiedade?
Tudo indica que sim. Lembrando que, da forma inalada ela está associada ao tabagismo, então é provável que, se a maconha for legalizada para uso medicinal, outras formas de administração podem ser desenvolvidas.
No livro você fala da ação neuroprotetora da planta, contrariando uma antiga crença de que ela mata os neurônios. Como funciona essa ação neuroprotetora?
Existem algumas evidências de que ela pode funcionar de maneira a proteger contra a toxicidade causada, até mesmo, pelo próprio sistema. E se tem evidências de que pode favorecer a neurogênese, a formação de novos neurônios, no hipocampo em particular, que é uma região associada à memória. Existe um artigo em particular na literatura que diz que a maconha pode ter um efeito antidepressivo de longo prazo pela ativação de neurogênese no hipocampo. Essa é uma pesquisa recente e ainda precisa ser aprofundada, mas é bem diferente do que se falava tradicionalmente.
Quais são os grupos de risco em relação ao uso da maconha?
A gente fala no livro dos quatro grupos importantes: gestantes, jovens, pessoas com depressão crônica e pessoas psicóticas ou borderline, ou seja, pessoas que não tiveram o surto, mas podem ter. Isso é um pouco difícil de julgar. Como se pode saber que a pessoa vai ter se ela ainda não teve? Eu acredito que os dois lados do debate tem que ter equilíbrio. Pessoas que são totalmente contra, que acham que maconha é igual a  crack e heroína, tem que se informar, porque não é. E pessoas que são totalmente a favor e acham que maconha é bom para tudo também. Uma coisa que é importante que as pessoas que são pró-maconha têm que entender é que ela não é uma droga que não causa riscos pra qualquer pessoa. Existem grupos de risco. Qualquer substância tem grupos de risco.
O seu uso exclusivamente recreativo pode trazer benefícios à qualidade de vida das pessoas?
Acredito que a maior parte das pessoas usa de modo recreativo, não medicinal.  Se elas usam é porque acham que traz benefícios. Podem dizer “Mas isso também vale para o crack. Usa crack porque acha bom” e no caso do crack é uma grande armadilha. Porque a pessoa acha bom e está morrendo, destruindo o cérebro, destruindo o fígado, o pulmão, as vias respiratórias. Pode não conseguir sair daquela doença por causa do vício. No caso da maconha não é assim, ela não causa nada parecido com isso. Os malefícios principais são os do tabagismo, que são muito menos graves, embora eu ache que devam ser mencionados. Por outro lado ela causa sensações de bem estar. As pessoas dizem que gostam de usar aquilo pra aumentar a criatividade, sensibilidade etc. Eu sou da opinião de que não faz sentido liberar a maconha e proibir a cachaça. Eu acho que nós deveríamos  ter uma atitude mais racional, mais formada pela ciência, que respeite mais as liberdades individuais e que proteja as pessoas com informação. Se uma pessoa souber de antemão que crack é quase um veneno de rato, é improvável que ela vá consumir. Temos que proteger o jovem das drogas e dar-lhes informação. Para que, quando ele for adulto, possa escolher, entre as drogas legais, aquelas que ele vai usar. E ai entra a discussão: por que é legal comprar um litro de cachaça e não legal comprar um grama de maconha? Mas isso é uma situação histórica que tem razões históricas e políticas, não científicas. Coisas que a sociedade tem que negociar.

Existe muita resistência da camada mais conservadora da sociedade de que ela possa trazer certos benefícios. Você acha que os argumentos pró-maconha podem vir a ser mais aceitos pela sociedade?
É uma tendência natural. Essa discussão está cada vez mais em pauta. Fernando Henrique Cardoso também está na linha de frente dessa discussão, e ele certamente não é um maconheiro cabeludo que quer defender a maconha só porque gosta. Ele quer dizer que a guerra contra as drogas não funciona. Não é um problema de polícia, é um problema de saúde pública. Não deveriam matar ninguém pra impedir essa pessoa de se drogar. Nós deveríamos dar informação a essas pessoas, para se protegerem das drogas que fazem mal e das doses que fazem mal. E para que possam usar as drogas que causam bem, como a gente usa o café, os remédios, os antibióticos...


 

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Narcoterror - Opinião - Walter Hupsel

Por Walter Hupsel

Esqueçam, de uma vez por todas, a Colômbia e a Bolívia. Esqueçam os mitos dos Cartéis de Cali, Medellín e também as Farc. Hoje o narcotráfico chama atenção mais ao norte, no México, responsável por 90% da maconha e cocaína que entram nos Estado Unidos.

Desde que o México resolveu seguir a política de “guerra às drogas” idealizada pelos EUA, já morreram quase 30.000 pessoas, a imensa maioria inocente, como os dois brasileiros que cometeram um único delito: tentar adentrar ilegalmente no sonho americano.  Foram capturados na fronteira, junto com mais 70 imigrantes. Como não aceitaram trabalhar para o Cartel Los Zetas, foram executados.

Depois dessa carnificina o governo de Felipe Calderón resolveu agir sobre as forças policiais e afastou 3.200, cerca de 10% do efetivo, sob suspeita de corrupção ou associação ao tráfico. Outro dado estarrecedor é o sequestro de 10 mil pessoas nos últimos seis meses.  Sem contar os atentados a bomba contra alvos do Estado mexicano.

A violência do narcotráfico aterroriza e toma o México de assalto. Não é nada difícil perceber a relação de causa e efeito. A violência é fruto direto da política de “guerra às drogas”, que legou mais dinheiro para os cartéis e promoveu mais mortes.

Parece haver uma constante nesta equação: quanto mais “guerra”, mais enfrentamento, que leva a mais armas nas mãos do tráfico, significando mais violência, ou seja, mais mortes. E tudo é consequência da ilegalidade, lá, aqui ou no Afeganistão.

Quando temos um problema, uma disputa, um caso controverso, nós procuramos um árbitro que possa decidir a questão, um juiz tendencialmente neutro que diga de que lado está a razão, quem tem direito ou não.

Imagine que você compre um produto e não pague as prestações do seu carnê. O que acontece? Seu nome vai parar no Serasa, você fica sem crédito na praça, e o seu credor pode pedir a execução judicial de seus bens para quitar a dívida.

Quando um comerciante vende uma mercadoria ilegal ele não pode, obviamente,  recorrer a um juiz para processar um consumidor, para ter a dívida quitada. Ao mesmo tempo, o vendedor, querendo manter seu negócio, tem que agir de modo a impedir que outras pessoas sigam o exemplo do devedor e passem também a não pagar pela mercadoria comprada. Assim, o narcotraficante tem que desestimular a conduta do “comprar e não pagar”. O que ele pode fazer exceto coagir, e, em última instância, assassinar o comprador?

De mesmo modo, para expandir seu mercado, conquistar mais clientes num mercado ilegal, ele pode proceder de duas maneiras. Ou aumenta a qualidade do seu produto ou tenta tomar, geograficamente, a “vendinha” do outro comerciante. A primeira opção é quase que inviável já que não tem nenhum órgão ou Inmetro que ateste o grau de pureza de uma droga. Assim sendo, como empresário racional que é, visando aumentar seus lucros,  ele busca o único caminho aberto e toma-o à força, na bala.

A proibição também afeta, sobremaneira, as forças de segurança, principalmente a polícia. Na ilegalidade, o traficante precisa se proteger para sobreviver. A proteção incluí a corrupção da polícia, para que não ameace o andamento dos seus negócios. Muito dinheiro envolvido, corrupção, achaque, compra de juízes. Ele quer se manter fora do alcance das forças repressivas, e a melhor maneira de conseguir isso é justamente se imiscuir, criando uma relação de simbiose.

Há também uma relação quase que de necessidade entre o tráfico de drogas e o de armas. Pelos motivos acima expostos podemos perceber que se a proibição gera e estimula esses comportamentos, os chefes do tráfico precisam de armamentos pesadíssimos, de alto poder de destruição, seja para tomar um ponto de venda, seja para atirar de cima de um morro contra a polícia, que atira de volta, sem muita mira e precisão, o que acarreta as nossas mundialmente famosas “balas perdidas”.

Quem sofre com isso? A população indefesa, pega no fogo cruzado entre rifles e pistolas. A população indefesa, que tem que proteger o traficante sob pena de ser réu numa justiça paralela, que é a única que o tráfico conhece.

E, só para mencionar, forma-se ainda uma extensa rede de lavagem de dinheiro do tráfico, bancos e paraísos off-shores que se prestam a esquentar, legalizar o dinheiro obtido ilegalmente. Mas ninguém, por mais puritano e proibicionista que seja, pensa em invadir a Suíça em nome da “guerra às drogas”.

Nem mesmo coagi-la a abrir suas contas. A Suíça é, desde 2002, signatária da ONU. Alguém levantou a voz para que fosse votada alguma sanção a este paraíso fiscal, de lavagem de dinheiro? Não! O capital gerado pelo comércio de armas, drogas, tem livre circulação no mundo, e é bem vindo e estimulado em diversos países… mas é muito mais fácil culpabilizar o consumidor!

Defender a liberação das drogas é, pra mim, um dever ético, ao mesmo tempo que se presta a uma lógica utilitarista. Não sei se a liberação resolveria problemas da violência, mas, com certeza, a proibição a estimula.

O México prova isso. Os morros cariocas também. As vítimas somos nós, baixas colaterais no meio de uma guerra que não terá fim, não, ao menos, enquanto essa política continuar. Afinal, diria Clausewitz, guerra é a política continuada por outros meios.



FONTE: http://colunistas.yahoo.net/posts/4852.html

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Lobby da proibição - Folha de São Paulo - 07/09/2010

# Texto enviado pelo Sidarta Ribeiro, que fora publicado no dia 7 de setembro de 2010, na Folha de São Paulo.


Lobby da proibição

JOÃO R. L. MENEZES, SIDARTA RIBEIRO, STEVENS K. REHEN e JULIANA PIMENTA

Organizações realmente compromissadas com a saúde clamam pelo fim da guerra às drogas e por uma política de legalização bem informada


Causa perplexidade o artigo de Ronaldo Laranjeira e Ana Petta Marques ("Lobby da maconha", 20/8) em que, a pretexto de rebater críticas a texto anterior que demonizava a maconha, empregam a falácia do argumento "ad hominem".
Atacam as pessoas, e não o conteúdo. Eles nos chamam de "lobistas da maconha, travestidos de neurocientistas e fiéis de uma seita", mas em nenhum momento respondem às críticas diretamente.

Lobista é quem recebe vantagens para defender uma causa. Seita é uma doutrina usualmente dogmática. Somos médicos e biólogos com mestrado, doutorado e pós-doutorado, com pesquisa reconhecida internacionalmente. Agimos em defesa da racionalidade.

Ao citar o livro "Cannabis Policy: Beyond the Stalemate", Laranjeira e Petta não explicam por que citam apenas os efeitos negativos da maconha sem incluir a conclusão mais importante do livro: estes efeitos não justificam a proibição.

Mentem sobre a inexistência de estudos demonstrando efeitos terapêuticos da maconha e combatem a criação de uma agência de pesquisa e regulamentação da maconha medicinal, exigência de tratados internacionais.

Defendem com tanto ardor a política dos EUA de guerra às drogas que esquecem que a "Food and Drug Administration" (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA) não é brasileira e que não tem nem deve ter ingerência na política nacional. A dipirona, por exemplo, é legal no Brasil e na Europa, mas não nos EUA.

Enganam ao afirmar que a maconha já foi descriminalizada no Brasil e que isto teria aumentado o número de usuários. A lei nº 11.343 não descriminalizou o uso; ao contrário, aumentou a repressão ao tráfico com penas mais duras e deixou o consumidor na frágil posição de depender da decisão de um juiz quanto a ser usuário ou traficante.

O relatório da ONU de 2010 não aponta aumento do uso de maconha no Brasil desde a promulgação da lei. Mesmo que algum levantamento indicasse aumento, isto poderia se dever à política proibicionista em vigor, não o contrário.

Laranjeira e Petta iludem o público leigo e omitem o poderoso lobby da proibição que integram.
Espanta o discurso totalitário de quem se imagina porta-voz do povo brasileiro. Um de seus argumentos mais perniciosos é o ataque ao uso da maconha como terapia de substituição para o crack, apesar de sua eficácia nos poucos estudos disponíveis. Infelizmente, a realização de novos estudos esbarra na intransigência dos proibicionistas.

Enquanto propagam falácias, milhares de pacientes que poderiam se beneficiar da maconha são dela privados. Outros tantos com problemas de abuso químico se afastam do tratamento por medo da repressão. No fim, somos todos atingidos pela violência da guerra.

Organizações verdadeiramente compromissadas com a saúde, como as que firmaram a Declaração de Viena (www.viennadeclaration.com), clamam pelo fim da guerra às drogas e pela legalização regulamentada e bem informada.

A declaração foi assinada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Ernesto Zedillo e César Gaviria, que têm alertado para a metástase do narcotráfico. Serão todos lobistas de alguma seita?

Enquanto persistirem argumentos simplórios, como "a maconha faz mal" ou a utopia moralista de um mundo sem drogas, retarda-se a discussão sobre uma política racional de drogas. A legalização da maconha não vai sanar os problemas imediatamente, mas é remédio eficaz e a sociedade precisa se preparar para isso.

O resto é cortina de fumaça, como demonstra o filme de Rodrigo Mac Niven (www.cortinadefumaca.com). A palavra iatrogenia designa os males vindos do tratamento médico. Com relação à maconha, a sociedade precisa decidir: o que é mais iatrogênico, tosse ou tiroteio?


JOÃO R. L. MENEZES é professor-adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do simpósio sobre drogas da Reunião SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) 2010.
SIDARTA RIBEIRO é professor titular de neurociências da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
STEVENS K. REHEN é professor-adjunto da UFRJ.
JULIANA PIMENTA é psiquiatra da Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O interessante jogo proibicionista: quem é vítima?


Analisando o processo de usuários que são detidos por posse de drogas para consumo pessoal percebe-se a existência de uma “vítima” neste trâmite jurídico denominada Estado.
Se pensarmos bem, a criminalização da maconha por parte desta suposta vítima denota uma tentativa de manter um quadro de delinqüência no país, além de sustentar um mercado paralelo considerado pelo âmbito jurídico ilegal de tráfico de drogas. Pensando na perspectiva do atual modelo econômico vigente, o capitalismo, essa forma mercantil é totalmente permitida, uma vez que atende ao principal interesse das nações que é o acúmulo incessante de capital através das trocas de substâncias entorpecentes, seja ela a cocaína, o crack, o ecstasy, LSD, ou a maconha.  

Esse jogo de trocas ilegais movimenta, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas das Nações Unidas (2005), 13 bilhões de dólares, ao passo que no Brasil, em particular o estado do Rio de Janeiro, segundo o estudo da secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro "A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro: Uma Tentativa de Calcular o Valor do Negócio" (2008) estimou que o tráfico de drogas fatura entre 316 e 633 milhões de reais por ano.

A que ponto está querendo se chegar com estes dados? Que esta suposta vítima, o Estado brasileiro, lucra de forma incessante mantendo esta forma de transação comercial e, portanto, desinteressante do aspecto econômico a mudança legislativa em relação à legalização da maconha e, num âmbito maior, a descriminalização de outras drogas.
Para manter esta situação sob o controle das forças policialescas nacional,  os aparelhos ideológicos fazem a sociedade crer que o aumento do contingente repressor legitimado pelo Estado é a saída mais eficaz no combate ao tráfico de drogas, assim como a criação de maiores centros de detenção para delinqüentes que hoje atinge o exorbitante número de 290 mil usuários detidos no Brasil, e nos EUA esse número chega a 1 milhão.
O exercício sociológico que é inexistente neste projeto de guerra ao tráfico é que o número de usuários não diminuiu, o poder paralelo do tráfico de drogas só acresceu, juntamente com o tráfico de armas que impera em zonas latentes em que se dá estas transações comerciais, marginalizando socialmente as comunidades periféricas dos centros urbanos e inserindo novos atores neste jogo: crianças e adolescentes que estão excluídos das escolas e seus responsáveis que são afetados pela desestruturação do mundo do trabalho, assim como continua existindo a extorsão policial como prática da política proibicionista. Isto pode ser muito bem visto em cidades como o Rio de Janeiro (Brasil), Medellín e Cali (Colômbia), e Tijuana (México) para se visualizar como exemplos desse conflito.
Para sustentar essa política proibicionista vigente no Brasil, e na maioria de tantos outros países, fora investido trilhões de dólares de maneira irresponsável, irracional e incompetente, uma vez que esta se encontra completamente falha e falida, podendo ser associado a um holocausto de proporções semelhante à Alemanha em tempos de guerra mundial. Isto porque inclui a execução de moradores de periferia, negros e pobres, além da suspensão de muros cercando favelas como espécie de “proteção” a sociedade de classe média, branca e da zona sul.
Esta política, tão ambígua em sua efetivação, demonstra duas faces: uma delas a política de redução de danos, que é adotada em países que tentam amenizar a repressão de drogas e aos usuários e, ao mesmo tempo, ainda sustenta um lei proibicionista que, apesar de diferenciar o usuário do traficante e abrandar as penas, continua com uma postura militarizada para tratar do assunto. Daí surge a questão de formação da polícia, assim como uma radical mudança valorativa da sociedade que trata o assunto de maneira conservadora, moralista e hipócrita.
Nesse quadro de proibição das drogas, mais especificamente da criminalização da maconha, aparece um nó compreensível que se destina a entender o porquê do Brasil não ter aprovado a lei de reforma agrária. Diante disto, vê-se na região nordeste o chamado “Polígono da Maconha”, situado no estado de Pernambuco, que concentra latifúndios para plantação de maconha explorando a mão-de-obra campesina a preços ínfimos, deixando os trabalhadores sem poder recorrer ao ministério do trabalho em casos de maus tratos e/ou qualquer outro tipo de abuso existente, assim como a tentativa de destruir plantações de coca na Bolívia que é uma planta inserida dentro do contexto cultural da sociedade indígena como forma de aliviar fome e agüentar a altitude de determinadas cidades (não confundir a coca planta, com o processo químico que esta planta é submetida para a produção de cocaína).
Esta proibição que ocorre há 77 anos no Brasil deixa claro quem é vítima e quem é ator da agressão. Um Estado que executa, chacina, latrocina, estupra e prende não merece ser chamado de vítima, não merece ser chamado de protetor dos cidadãos brasileiros que querem fazer uso do seu próprio corpo, que mantém nos marcos legais do capitalismo uma prática imoral e imunda, subjugando toda uma sociedade a grupos de traficantes armados apontando fuzis na cabeça de uma suposta liberdade que nos é “gentilmente” concedida através da omissão do poder público frente a esta questão.
Portanto, aqueles que dizem que a marcha da maconha é um prática apologética e que reforça o poder do tráfico e do traficante, não é verdadeiro. Marcha da Maconha é uma irracionalidade estar acontecendo no sentido de que é igualmente irracional o Estado brasileiro manter a maconha proibida neste país, impedido pesquisas para o seu uso medicinal, não permitindo seu uso recreativo, legitimando o lucro abusivo da indústria farmacêutica, têxtil e do tráfico.

domingo, 5 de setembro de 2010

Marcha da Maconha em Natal-RN - 30.07.10


Queria comentar um pouco como foi a primeira marcha da maconha em Natal. Apesar de fazer um mês dela ter ocorrido, gostaria de expressar por este meio como fora e como ainda continua sendo a longa e conflitante luta em prol da legalização da maconha no Brasil. 

Durante uma semana, a mídia foi atualizando os conflitos que a marcha daqui estava causando. Tudo isto começou a acontecer após a exibição de uma faixa escrita "Marcha da Maconha - Praça Cívica da UFRN, dia 30.07, às 16h" durante a SBPC Cultural, em que todos os artistas presentes divulgaram e levantaram a bandeira em prol da marcha. Fato é que o ministério público, a PM, a Polícia Civil, a Denarc, e a secretaria de segurança, foram pegues de surpresa e deram declarações em que foram obrigados ( como, por exemplo, "A marcha da maconha será coibida em Natal") a voltar atrás. Tivemos reunião com o MP, com chefe do comando da polícia militar, chefe da inteligência, o delegado da Denarc, em que tudo foi esclarecido: não é um movimento de apologia, não é incitação à violência, nem ao crime. O habeas corpus saiu e, dessa forma, marchamos dia 30.07, às 16:30h, dentro da UFRN.

Fomos às ruas, a tarde estava linda, e o primeiro problema apareceu: estavam querendo impedir o carro de som de entrar na UFRN e queriam mutar o carro por estar esperando uma resposta da segurança do campus permitir a entrada. Fato é que não permitiram e mudamos o início do trajeto, e assim saímos. Antes, colocamos "Porcos Fardados", do Planet Hemp em homenagem a todas as forças policialescas repressivas da cidade de Natal e do Estado do Rio Grande Norte presentes no momento.

A marcha teve em torno de 500 pessoas nas ruas. Todo o percusso foi tranqüilo, apesar de ter até helicóptero da secretaria de segurança pública sobrevoando o ambiente.
Optamos por tomar o campus, apesar de estar amparado legalmente para fechar a BR, mas prefirimos fazer as coisas com cautela, estratégia para poder levar o debate de forma menos agressiva para uma sociedade que "precisa chegar cedo em casa". Conseguimos nosso objetivo: tivemos a oportunidade de levar e elevar o debate sobre a descriminalização da maconha para desmistificar todo o preconceito, o moralismo, a ignorância e a hipocrisia que há ao tratar desse tema, e pensar que a política proibicionista do Estado brasileiro em nada resolveu problemas de violência e de combate ao tráfico, muito pelo contrário, só aumento a estatística de homicídio no país.

A mídia veio fazer uma mega cobertura e demos entrevistas para todos eles, com excessão da TV Ponta Negra que veiculou uma informação na quarta feira em seu site dizendo que tinha procurado os organizadores da macha e nós tinhamos nos negado a dar entrevistas. Fato é que isso nunca ocorreu, nunca fomos procurados e, por isso, decidimos não dar nenhuma declaração à TV Ponta Negra. Igualmente ocorreu com TVU, que não veicularam duas entrevistas antes da marcha, além de terem censurado o Xeque Mate com um dos integrantes do Coletivo Cannabis Ativa.Fora estes, todos que chegaram para conversar com nós tiveram nossa posição.

Fizemos uma paralização em frente à reitoria da UFRN, onde colocamos o debate de maneira séria, legal, ética, responsável, científica e política. O ato durou em torno de 20 a 30 minutos e partimos em direção ao setor 2, onde tudo da marcha começou. Fizemos quase que um ritual de ciranda com o Pau e Lata, que foram responsáveis por segurar e muito o batuque da marcha por todo o percusso. Dispersamos e....continuamos à noite.

A marcha continuou no show do Tom Zé, na praça cívica, onde o número de policiais parecia ter triplicado e se concetrado na região da praça cívica onde nós, do Coletivo Cannabis Ativa permanecemos,  para ver se estávamos fumando. Não conseguiram achar ninguém praticando tal ato e ficaram perdidos olhando as pessoas. Assim começou uma grande vaia e todos cantando com toda força "polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia".

Pouco tempo depois um usuário foi pego portando e fumando, e foi levado pela polícia. Fomos atrás e, por mais que este se encontrasse errado perante a lei de crime, fomos atrás para que ele não fosse preso e que a lei 11.343, por mais que seja proibicionista, fosse cumprida. O que aconteceu alguns integrante do Coletivo Cannabis Ativa foram ameaçadas de serem presos pois, segundo um dos policiais, a camisa que tinha escrito "marcha da maconha" era apologia. O que eles não sabia, e ficaram sem justificativas, foi que tínhamos um habeas corpus que nos protegia desse tipo de coerção. Não conseguimos falar com os advogados, mas sabemos que este foi levado para delegacia e liberado pouco tempo depois.

Imaginávamos que isso seria prato cheio para mídia negativar o movimento, mas não conseguiu nenhum pouco. A primeira marcha da maconha aconteceu, e saber que se o Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes não tivesse vindo nos incomodar com um email bastante repressivo (que será explicado melhor posteriormente) sobre os usuários de maconha no setor 2, creio que isso não estaria ocorrendo. POR ISSO, OBRIGADO CCHLA, POR FAZER INFLAMAR ESSA ORGANIZAÇÃO EM PROL DE UMA LUTA QUE VAI ALÉM DOS MUROS DA UNIVERSIDADE.

Agradecemos a todos que puderam ir, e aos que não puderam valeu por todo apoio dado. Agora vamos nos articular para promover esse debate nas zonas mais afetadas com o problema do tráfico de drogas em Natal e em outras áreas da cidade, e para mostrar a emergência que há quando se trata de pensar o tema da legalização da maconha no Brasil

Fotos, Vídeos e Afins

As próximas atividades do coletivo Cannabis Ativa será destinada, dentre outras, a produção de um zine para ser lançado ainda neste ano. Portanto, se você tiver fotos, vídeos, ou um texto de sua autoria e que queira publicar, da marcha da maconha em Natal envie para o email coletivocannabisativa@hotmail.com com o  material em anexo.

UFRN instala comissão de prevenção de drogas

UFRN instala comissão de prevenção e combate de drogas no Campus Universitário



O consumo de drogas é considerado hoje um problema grave que atinge todas as camadas sociais do país e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como forma de combater o aumento do consumo de drogas no âmbito universitário, instalou nesta quarta-feira, primeiro de setembro, a Comissão Interdisciplinar de Prevenção e Combate a Drogas Lícitas e Ilícitas no Campus Universitário.


Para compor a Comissão foram convocados membros representantes do Departamento de Serviço Social, Diretório Central dos Estudantes (DCE), Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Departamento de Comunicação Social (DECOM), Departamento de Assistência ao Servidor (DAS), e a Divisão de Segurança Patrimonial. O grupo será presidido pelo professor do curso de Serviço Social, João Dantas Pereira.


A reunião de instalação da Comissão foi aberta pela vice-reitora, que destacou a importância da iniciativa. “A UFRN é uma Instituição atuante em várias áreas do conhecimento, logo precisa desenvolver ações específicas para combater esse problema que se alastra em nossa Universidade. A Comissão visa a oferecer prevenção e cuidado para as pessoas usuárias de drogas”, afirma. Segundo ela, a criação da comissão está prevista na Resolução Nº 053/2009, do Conselho de Administração (CONSAD), que regulamenta procedimentos administrativos de prevenção e combate a drogas lícitas e ilícitas no âmbito da UFRN.


Ângela Paiva lembrou que as primeiras reuniões para discutir a prevenção e combate ao uso de drogas na Universidade datam de 2007, quando o reitor Ivonildo Rêgo se reuniu com diretores de centros acadêmicos, que solicitaram providências urgentes. “A Universidade passava por um momento bastante grave”, destacou a vice-reitora, que disse ser esta uma questão prioritária da Instituição. 

COMISSÃO

Sob a presidência do professor João Dantas, do Departamento de Serviço Social, a comissão é composta pela assistente social Adelaide Maria Morais Avelino, e pelo servidor Sérgio George de Oliveira, do Departamento de Assistência ao Servidor (DAS); professor Aryovaldo de Castro Azevedo Júnior, do Departamento de Comunicação Social; enfermeira Juçara Machado Sucar e psicóloga Letiene Pessoa de Medeiros, do Hospital Universitário Onofre Lopes; o aluno Thomas Kefas de Souza Dantas, do Diretório Central dos Estudantes; e os servidores Rubens Matias de Sousa e Moisés Alves e Souza, da Divisão de segurança da UFRN.


O professor João Dantas também ressaltou que o grupo pretende desenvolver ações eficazes em três vertentes: prevenção, tratamento e repreensão. “Precisamos do engajamento da Universidade como um todo, pois se trata de um problema social que atinge não só alunos como também servidores”, diz.


Os procedimentos adotados para atuação da nova Comissão, segundo a resolução do CONSAD, vão contemplar ações sistemáticas de prevenção, como campanhas publicitárias permanentes, cujo roteiro foi apresentado durante a reunião, realização de eventos na Semana Nacional Antidrogas, palestras, seminários, debates, institucionalização de parcerias com a Secretaria Estadual de Defesa Civil, Conselho Estadual de Entorpecentes (CONEN) e outras entidades afins. Além dessas, haverá ações de tratamento, por meio do apoio psicossocial e clínico aos usuários, e de repreensão através do combate à aquisição, guarda, depósito, transporte ou porte de substâncias entorpecentes nas instalações da UFRN.



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O que é interessante nisso é que sabemos que a maconha será a primeira a entrar na lista das drogas. E o pior de tudo isso é que nesta reunião sobre "prevenção" das drogas não foram chamados nenhum dos integrantes do Coletivo , que são estudantes da UFRN e que todos têm conhecimento disso, para que seja possível um debate no mínimo "democrático".


Foram realizados discussões dentro da universidade para colocar no foco do debate essa postura assumida pela UFRN. Sabemos que essa "publicidade" foi "encomendada" aos estudantes de publicidade desta instituição como trabalho avaliativo obrigatório, ou seja, não fora respeitado nem a posição dos alunos que eram contra esse tipo de postura pois, graças a um ensino meritocrático vigente no Brasil, estes alunos não seriam aprovados na disciplina caso se negassem a realizá-lo.


O que estamos colocando aqui não é o fato de sermos contra a política de conscientização sobre as drogas, muito pelo contrário. O problema é que estes que desempenham esse papel sequer têm conhecimento acerca da política de redução de danos à saúde pelo uso indevido de drogas e acaba por abordar o tema de forma irresponsável, e que finda por apresentar resultados inexpressivos no combate dos malefícios provocado pelo uso contínuo e descontrolado de entorpecentes. Não se coloca em momento algum nestes trabalhos de alerta o uso medicinal  e recreativo da cannabis, excluindo a postura do diretor de pesquisas científicas do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IIN-ELS), Sidarta Ribeiro, que escreveu o livro "Maconha, Cérebro e Saúde" em parceria com Renato Malcher-Lopes, alertando para as pesquisas que são desenvolvidas nessa área comprovando a inexistência de males ocasionados pelo uso da maconha.



Porém, sabe-se que o intuito desta campanha não é apenas para alertar sobre as conseqüências negativas das drogas como o cigarro, o álcool, o crack, a cocaína, etc.  Além de terem como alvo acabar com o consumo de maconha nos setores de aula, essa justificativa é utilizada para legitimar a repressão dentro da universidade aos usuários, tornando o espaço da construção do saber e do desenvolvimento acadêmico em um ambiente castrador onde impera uma moral hipócrita, conservadora e anacrônica.