sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Avanço das UPPs muda desenho do mercado de drogas do Rio



Por Pedro Fonseca
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A estratégia das forças de segurança de retomar favelas cariocas dominadas pelo tráfico de drogas, ressaltada pela ocupação do Complexo do Alemão no fim de semana, implicará em transformações profundas num mercado de venda de drogas que fatura entre 300 e 600 milhões de reais anuais.
 
Sem o domínio de territórios imposto pela autoridade de um fuzil, as facções criminosas que durante as últimas três décadas controlaram a venda de entorpecentes na cidade passarão a ter um mercado mais restrito, enquanto os consumidores de drogas das classes média e alta passarão a buscar outras formas de fornecimento, na avaliação de especialistas de segurança pública e violência no Rio ouvidos pela Reuters.
 
Se confirmadas, essas mudanças podem transformar o Rio de Janeiro num local mais seguro, desde que as autoridades de segurança pública continuem desarmando os grupos criminosos. Do contrário, é possível antecipar um aumento no número de sequestro e assaltos a bancos, além da transferência das ações criminosas para o interior do Estado.
 
"A experiência internacional e histórica indica que, pelo menos num primeiro momento, quando você asfixia uma determinada atividade ou uma área de ação criminosa, ocorre o deslocamento, seja para outro tipo de atividade seja o deslocamento para outras regiões. É ai que precisa entrar a ação do Estado", alerta o cientista político João Trajano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
 
O sufocamento ao tráfico citado por Trajano é representado principalmente pela implementação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), que provocou saída de chefes do tráfico de favelas onde esse tipo de policiamento foi instaurado.
 
As 13 UPPs montadas em morros da cidade não erradicaram o tráfico desses locais, mas devastaram as vendas dos pontos de varejo nessas áreas. O que antes era feito à céu aberto, protegido por um verdadeiro exército, passou a ter o risco da presença policial constante.
 
Somente no Complexo do Alemão, o principal quartel-general de uma das facções criminosas, mais de 40 toneladas de drogas e uma centenas de armas foram apreendidas após a invasão policial-militar de domingo. Mesmo que o tráfico permaneça após a implantação de uma UPP no local, prevista para o primeiro semestre do ano que vem, é impossível imaginar que se volte a esses níveis.
 
Por enquanto os chefes do tráfico ainda têm outras comunidades sob seu domínio para se esconder, mas a promessa do governo é levar as UPPs para as centenas de favelas da capital até 2014. O tráfico já teria começado buscar novas formas de atuação.
 
"Tráfico tem em qualquer lugar do mundo, mas o tráfico em outros lugares não é armado, não anda pela rua com AR-15, não tem controle territorial, e extrai provavelmente lucros muitos maiores do que o tráfico extrai aqui", avalia o sociólogo Ignácio Cano, coordenador de diversos estudos sobre a violência no Rio.
 
NOVO MERCADO
 
Um estudo da Secretaria de Fazenda do Rio elaborado em 2008 revela que os custos das quadrilhas da cidade para manter o antigo sistema de venda de drogas giravam em torno de 290 milhões de reais anuais -incluindo o pagamento a cerca de 16 mil funcionários e as perdas com apreensões de armas e drogas.
 
O lucro resultante das operações, considerando a menor estimativa de receita, "seria muito pouco para repartir para outros agentes que pudessem prover apoio mais amplo no asfalto e outras áreas de interesse para o desenvolvimento deste comércio", segundo os autores do estudo, Sergio Guimarães Ferreira e Luciana Velloso.
 
O novo mercado de drogas no Rio já começou a se desenhar com a chegada das primeiras UPPs, a partir de 2008, na zona sul da capital -a região mais rica e maior mercado consumidor.
 
Usuários de cocaína e maconha das classes média e alta, que tradicionalmente se deslocavam até as comunidades em busca dessas drogas, já passaram a recorrer a outras formas de comprá-las, incluindo um serviço de entrega. Além disso, há uma tendência cada vez maior nesse grupo de pessoas do uso de drogas sintéticas, que não são negociadas pelos grupos armados.
 
Por outro lado, as favelas tendem a se tornar locais de venda de crack, a droga mais consumida entre os mais pobres e que por muito tempo nem mesmo era negociada no Rio devido ao preço baixo e ao alto índice de morte entre os viciados.
 
Durante as ações da polícia no Alemão e na Vila Cruzeiro, favela vizinha tomada dias antes pelos policias, era possível ver dezenas de usuários de crack ao redor das comunidades.
 
"O que a gente tem hoje é uma reconfiguração do tráfico de drogas no Rio", diz João Trajano. "Esse modelo territorizalizado baseado no uso de armas e no controle desses território pobres tende a enfraquecer, como já está até ocorrendo."
 

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